sexta-feira, maio 30, 2003

Também de um amigo nosso que anda em História na Faculdade de Letras do Porto no 1º ano, nascido em Castelo Branco por azar, ou seja, porque em 1984 os seus pais viviam aí, pediu-me para publicar um texto - ortodoxo, muito ortodoxo, diga-se de passagem - em que critica fortemente a nossa geração. Ele é uma espécie de historiador revoltado, embora de historiador tenha pouco e de revoltado tenha muito. Bem, ele para se acalmar de vez em quando escreve sobre monumentos do Porto. Algumas amostras desses textos serão publicados em breve.

Aí vai o texto do Carlos Eduardo Oliveira:

Portugal, país fatal
Um exemplo para o Mundo?



O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
[...]
Ruy Belo

Que jaz no abismo sob o mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.
[...]
Fernando Pessoa – Mensagem

Ás vezes julgamos que somos europeus. O pior é quando acordamos e percebemos que somos apenas o que sempre fomos: portugueses, algo desleixados, e pobres como é habitual.
José M. Fernandes
Público
06/03/2001
Um dia depois da queda da ponte de Castelo de Paiva, onde cerca de sessenta pessoas pereceram.

O sonho de Pessoa – o Quinto Império português – está longe. E parece-nos este cada vez mais impossível. De facto o nosso país desvia-se do percurso que deveria enfrentar para conquistar o bem-estar. Continuamos pequenos neste começo de milénio. E o futuro não promete ultrapassar esta horrível tendência. Por vezes surgem pequenas mensagens, como faróis ao longe num mar tenebroso, que nos indicam o caminho a seguir. Mas nós julgámos esse farol uma miragem. De novo nos perdemos nas trevas. Julgámos poder dar um exemplo concreto, entre tantos outros: dia vinte de Dezembro de 1999. Nesse dia o país inteiro presenciou a entrega de Macau à China. Macau, o último reduto do Império português. Foi o fim de uma era: o do Portugal universal. A partir dessa data o país devia ter olhado para dentro de si, para a sua condição, e reflectido nos «novos mares» que há agora a «conquistar». Mas nada se fez. Continuamos cada vez mais vazios...
Se não compreendemos mensagens como estas, porque será? Podemos dar resposta a esta questão se analisarmos melhor os portugueses. De facto, o português em geral é analfabeto. Somos um povo de cerca de dez milhões de incompetentes. Salvo excepções, é quase um facto. Podemos sustentar esta afirmação se analisarmos a História do século que findou. Quando chegamos a 1901, estávamos «vencidos da vida». Encontrávamo-nos sós. O Reino efervescia farto da monarquia que já não tinha fôlego para comandar o país. Em 1910 instaura-se a República. Desde esse ano até 1926 a instabilidade continua, caindo governos e governantes sempre em descrédito. Nesta última data há nova revolução. A tirania e a opressão passam a mandar. Surge, dois anos depois, um homem que iria tentar (e em muitos aspectos conseguiu) assassinar o país, embora o não soubesse: Salazar. Durante quarenta e oito anos (quase metade de um século...) estivemos "orgulhosamente sós" num Mundo que mudava radicalmente. A Economia mundial crescia, as mentalidades mudavam. E nós continuamos na mesma. Tantos anos de estagnação a todos os níveis. Em 1974 a Revolução de Abril abre as portas da liberdade. Foi apenas há vinte e sete anos...
O 25 de Abril de 1974 é, sem qualquer dúvida, a data mais memorável do século XX português. Uma poetisa, grande lutadora pelos ideais democráticos, refere num poema o seguinte verso: "as portas que Abril abriu". De facto, a Revolução abriu várias portas, bastante importantes para os nossos dias. Porém, esqueceu-se de abrir outras, ou então por elas entraram primeiro aqueles que não deviam. Na nossa opinião, a porta pior aberta foi a da própria liberdade, que implicava as transmutações sociais de Portugal. Hoje, os filhos e os netos de Abril renegaram o pai. Não por ideologia, mas por má educação. As causas da degradação social do país podem ser explicadas por vários factores. Primeiro: a Revolução foi demasiado brusca. Os portugueses adormeceram num dia debaixo da terrível opressão, no dia seguinte acordaram em plena liberdade. A euforia instalou-se. Segundo: passa-se à juventude, aos filhos, a ideologia liberal em pleno. Então, quem a tem em abundância gasta-a como quiser. Terceiro: os filhos de Abril passaram a ter diferentes modos de viver vítimas de não terem nada por que lutar (senão pequenas coisas materiais) estagnam a educação dos filhos. Não têm tempo para eles. A formação pessoal dos jovens começa a falhar. E mesmo a educação profissional falhou com a «massificação» do Ensino. O Ensino Técnico, onde se formavam electricistas, canalizadores, etc. com competência, foram eliminados do Sistema de Ensino. E hoje só nos saem analfabetos a nível técnico-profissional. Que exemplos destas causas podemos constatar nos nossos dias? Podemos ver uma geração onde a insensatez e a anarquia reina. É uma geração que não sabe respeitar os seus próximos. Uma geração onde o álcool e a droga são objectos de culto. Uma geração onde insultar e humilhar alguém é aplaudida pelos outros. Por outras palavras, é uma geração sem ideais, que não sabe olhar para o futuro. O jornalista Vicente Jorge Silva apelidou-a de "geração rasca". É--o efectivamente. Mas Daniel Sampaio, famoso psiquiatra, afirma que esta não é a verdadeira "geração rasca": é a dos pais. Foram eles que, com a euforia da liberdade, deram asas aos filhos para voarem ao paraíso. Não os acompanharam no voo. Os filhos acabaram por cair no inferno. Já não há tempo para eles. No entanto, para estes sentirem alguma coisa pelos pais, são «comprados» com telemóveis, computadores, automóveis, entre outras vontades materiais. Modificam-se os comportamentos, e o amor, esse sentimento que faz pais e filhos respeitarem-se, que faz o Homem compreender os erros e as verdades, desapareceu.
No Público de 09/05/2001 foi editada uma reportagem sobre a Queima das Fitas no Porto. O artigo mostra dados curiosos. Os estudantes gritaram "Educação esquecida, geração perdida". Referem-se à Educação profissional. Mas o slogan é mais apropriado à educação pessoal. Mais abaixo, podemos ler que, talvez, esta geração não seja esquecida, mas pelos maus motivos. Rita, estudante do curso de Jornalismo, refere que "a Serenata foi horrível, vi porrada e pessoas a sentirem-se mal... outros estudantes induzem outros a consumir álcool... deram a beber a um colega álcool etílico puro". Mas que maravilhas fazem estes futuros doutores. Certamente, quando chegarem à idade de ter o primeiro emprego, vão estar muito bem habituados. E se seguirem política e tomarem as rédeas do país, este vai entrar na via do «progresso».
Assim, um clima de anarquia e medo pelo futuro começa a lastimar a nação. Aliado à educação, para causas disso, está a violência dos centros urbanos. Não há dia em que se abra um jornal que não traga notícias sobre assaltos, violência, às vezes por ridículas somas de dinheiro. O perigo está em todo o lado, desde o centro das cidades aos bairros suburbanos. Um dia sair de casa será uma aventura. Com isto, outros problemas políticos e económicos e um pouco de interesses à mistura de minorias controladoras, o país está num caminho de insegurança prevendo-se um futuro grave. Com tudo o que se passa, é provável que um dia este clima se transforme, pela vontade geral, num sistema político de novo repressivo, mas que prometa acabar com os males. Talvez um Salazar se empoleire no poder. Talvez o 25 de Abril deixe de ser feriado nacional. Talvez...
De facto, hoje Pessoa desacreditaria o Quinto império. Ele constataria, se ressuscitasse, que o país vive minado de incompetência e de não o querer ser. Esta nação "à beira-mar plantado" está numa sonolência profunda. Dorme, Portugal, dorme, tu que podias ser uma pequena Alemanha se estivesse acordado. Dorme à beira do mar que outrora foi teu, mas que perdeste como em ti quase tudo está perdido. No dia em que acordares, esperamos que o choque de te veres lastimável não te leve a voltar a adormecer.
Uma prece lanço ao futuro: esperamos que a próxima geração tenha vergonha da anterior. Era bom sinal.


Carlos Eduardo Oliveira