segunda-feira, julho 28, 2003

«Nem todo o poder da Terra pode alterar o destino»

Depois de rever o Once upon a time in America, pus-me a pensar noutros filmes sobre a América. E, depois de nos lem«mbrarmos de tantas imagens que desde pequenos a nossa mente povoam, temos de dar razão ao filósofo Gilles Deleuze que afirma que todo o cinema americano é um remake do seu filme de origem: o The birth of a nation de David Wark Griffith.

Mas uma trilogia - que pode ser vista como um todo - que se parece, embora do lado da mafia italiana, com o tema do Once upon... é O Padrinho. Esta é a saga de uma família - contada de um modo idêntico ao filme de S. Leone - que cresce na sociedade americana até ganhar um enorme estatuto de poder, conseguido através da violência e da chantagem (brilhante o começo do Padrinho I, quando Michael conta a Pat o modo como o pai faz os negócios: as propostas irrecusáveis, ou assina com a caneta ou com os miolos).
Mas, para nós, o «capítulo» mais comovente desta saga é o III e até agora último. Este centra-se à volta da personagem de Michael, o padrinho todo poderoso, que ao envelhecer descobre que para onde quer que vá deixa um rasto de morte e destruição. E com essa necessidade de poder matou um irmão e destruiu o seu casamento. É comovente o diálogo entre ele e o futuro papa João Paulo I. A este padre, Michael confessa-se. E arrepende-se das suas acções, acabando num banho de lágrimas quando fala do assassínio do irmão por ele mandado: «sangue do meu pai, sangue da minha mãe».
Mas se Michael, no fim, tenta em desespero - tal como o Rei Lear de Shakespeare - unir de novo a sua família, salvá-la de todo o mal que ele fez com todo o seu poder (passa testemunho ao seu sobrinho interpretado por Andy Garcia) e ter finalmente uma vida normal, isso será impossível. Os mecanismos que desde o seu começo como chefe de família ele «semeara» ultrapassam-no. E ao banho de sangue final - em que a filha de Michael é uma vítimas embora a bala se dirigisse para ele - já é impossível contê-lo. Daí o seu grito final, um dos gritos mais trágicos da História do cinema, que se aprofunda no sofrimento quando se torna mudo. É uma vida completamente falhada, tal como foi a de Noodles e Max do Once upon a time.... É uma vida em que nem todo o poder na terra lhe pode alterar o destino de falhar. E na hora da morte, em vez de estar acompanhado como estava o seu pai Vito com um neto, está só. E só um cão surge à sua beira.

Duarte SD