segunda-feira, junho 30, 2003

Era uma vez… o Cinema

Saiu, finalmente, numa boa edição em DVD o grande clássico de Sérgio Leone, Once upon a time in América. Não vamos contar a estória do filme. Isso seria ingrato para aqueles que, muito provavelmente, não o conhecem. Vamos, antes, à base de referências pessoais, tentar aguçar o apetite para este formidável épico.

Era uma vez na América saiu, a um preço muito acessível, em DVD. Qualquer cinéfilo não pode desaproveitar a oportunidade de ver, talvez, o melhor filme de todos os tempos. Imaginem, os leitores deste blog, o filme perfeito. Aquele em que a estória, as sequências, a música, a interpretação dos actores, tudo isto e muito mais em conjunto formam uma obra de arte. Algo que não nos cansamos de visualizar. Algo que nos deixa espantados com a grandeza épica de uma estória sobre a América, seus ideais e valores. E ao mesmo tempo, uma estória que aborda temas que vão desde o amor – o amor profundo e aflitivo –, a violência, a traição, vidas perdidas e vidas bem sucedidas. Este filme tem tudo isso e muito mais. A música de Ennio Morricone é sublime. Os racords entre o passado e o presente da narrativa são fenomenais. A interpretação de Robert de Niro (no papel de Noodles) é de uma perfeição aterradora. Etc.
Filme de 1983, Era uma vez na América pretende ser a súmula do Cinema, numa altura em que este se vendia aos blockbusters, aos filmes de acção para consumo rápido das massas. Ao puro divertimento. Mas este filme pretende mostrar onde e como nasceu e se consolidou a América actual: nos anos 20, tempo de gangsters e de lei seca. E no meio da violência, que tempo há para o amor, para a amizade, para os antigos valores de uma sociedade em degeneração?
É por ser um filme tão directo, que aponta aos americanos o que eles são, que foi um fracasso de bilheteira, não ganhando sequer um Óscar da Academia das Artes e Espectáculos. Os americanos, ao contrário dos europeus, recusam-se a acreditar que mudaram. Que vieram de vários povos emigrados, vindo a nascer da violência das ruas de Nova Iorque. É esse o percurso das personagens centrais deste filme drama/épico: Noodles, Max, Debbie, Fat Moe, Vesgo, Otário. Uns vencem na vida, negando o amor e a amizade. Outros são trucidados por meios criados pela sociedade, chegando à conclusão que a vida lhes falhou. Tudo isto filmado com uma perfeição inesquecível.
Este é o filme de uma vida. Aquele que se leva para a ilha deserta. Já não víamos o filme há dez anos. No entanto, havia cenas que nos perseguiam, frases que nos assaltavam a memória. É o caso da cena da morte de um dos elementos do bando de Max e Noodles – escorreguei… – que este último vinga a quente. Reparem no desacelaramento da imagem. É o caso de uma das mais belas cenas de amor de todo o Cinema. No táxi, a violação não-violação de Noodles a Debbie. Não é violência: é desespero de um ser que ama profundamente outro, e que a quer agarrar para dar algum sentido à vida. É a banda sonora. Música umas vezes lenta, outras rápida, consoante o andamento da estória ou a tensão que envolve as personagens.
O resto é verem o melhor filme de todos os tempos. Aquele que faz a súmula da história do cinema americano desde O nascimento de uma nação (1915) de David Wark Griffith. É verem e entrarem em êxtase frente ao televisor. Era uma vez… o Cinema.