quinta-feira, novembro 17, 2005

De como o silêncio é insuportável nos eternos momentos de solidão em que penso em ti

Sim. Eu sei que o meu olhar é pouco expressivo. Que não parece brilhar nunca. Nem ter uma cor definida. É verdade. Percebi que nada mais represento para ti do que uma espécie de conhecido estrangeiro. Aqueles com quem só falamos de vez em quando, quando não há nada para dizer de momento, ou nos achamos aborrecidos. E que parecem tão perto mas ao mesmo tempo tão longe.

Percebi que para ti a minha voz é inexpressiva. E que as minhas palavras têm a secura do papel. Julgas que o que eu digo tem pouco significado. Que parece perder-se rapidamente no ar, sem nunca chegar a atingir o vento.

Mas o que não sabes, nem procuraste saber, é que, apesar de tudo o resto, que é mesmo apenas o resto – e a que dás importância –, atingi já o cume de montanhas. E que nos fins de tarde de primavera de e de outono fujo, tantas vezes, para contemplar o pôr-do-sol. E que meus olhos já ficaram marejados de lágrimas por causa de tantas injustiças contra as quais sou contra.

«Pensas demais», disseste. Não sei se em sonhos. Ou num destes dias em que o nosso diálogo não foi mais do que o tímido e, por isso, perturbado «olá». Mas o que não sabes, mas também não te quis dizer, é que já não consegui dormir por sentir demais. E que até por tua causa o coração já me foi consumido em mil fogos.

(Há um lugar poético, naquele jardim encantado, que muitas vezes o meu corpo chama. Junto ao relvado sempre verde – até no frio Inverno – e à pequena fonte. De costas para eles me encontro sempre que a esse sítio vou. Porque a vista do miradouro me fascina. O rio está logo em baixo. O mar já se vê. Um pouco ao longe e apertado, devido à língua de areia. Uma relação difícil têm, por isso, estes elementos aquáticos. Antes de se abraçarem e fundirem num só elemento, atravessam naturais dificuldades. A coroar toda esta visão está a ponte do grande arco. Parece o pórtico moderno de algum mistério secular agora desconhecido. Branca como a cal, ela é vice-rainha nesta paisagem na minha alma infinita. Como primeira majestade está o céu. O céu que nos protege, mas que num dia de chuva impetuosa marcou o meu nascimento. Sonho ser este rio que te procura. E espero pelo teu abraço. Imagino-me a correr em tua direcção. Mas de repente, quando parecia teu corpo estar já tão perto, surge o molhe. A dificuldade natural que nos afastou.

Olho para a paisagem. Toda ela me fascina, porque tanto se parece comigo. Sinto tanto e não sinto nada. Sento-me na relva húmida. A seguir deito-me de costas e contemplo o azul celeste nesta calma tarde. Sinto que algo divino me negou uma felicidade eterna. Penso no teu sorriso. Na tua boca. E no suave beijo que te poderia dar… Inferno. Quanto mais te quero esquecer mais me apareces fotograficamente na alma.)


continua