sábado, maio 13, 2006

A descoberta dos poetas

Os poetas e a sua arte não se lêem. Descobrem-se. Uma poesia lida noutros tempos não é seguramente a mesma hoje. Nós mudamos o nosso de decifrar os versos. A nossa vivência diária pode mudar a visão que temos de um simples poema. Aconteceu-me isso, por acaso, com um soneto de Ruy Belo. Já o tinha lido. Mas só hoje o percebo e decifro.

É o último verso que dá título ao poema – e tudo era possível era só querer. Uma frase pura. Sem vírgula pelo meio. O leitor dá-lhe pausa a meio se assim quiser.

Esta frase é apenas a conclusão do poema, que passo a transcrever:


Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

Difícil agora buscar os tempos em que “tudo era possível”. Li este poema cedo demais. Quando ainda tinha sonhos. Talvez nas tardes quentes de verão em que me sentava na pedra granítica do jardim de uma tia a quem se finavam os tempos. Nessa altura, sem ninguém à volta, descobri que podia ouvir o rebentar do mar. Com os livros iniciei viagens que hoje ainda continuam. Perdi-me em romances, contos, poemas que navegam hoje em mim.

Mas os sonhos começaram a descolorir. A “outra vida” começou a desaparecer e o “poder de uma criança” que sabe sonhar começou a perder-se. As portas fecharam-se e eu nada fiz para as abrir. Os sorrisos do amanhã tornaram-se cerrados. E mais um maio desta vida começou a ficar sem flores. O jardim poético dos sonhos viu ervas daninhas crescer no seu terreno outrora fértil. E a vida passou a acontecer todos os dias, desesperada por voltar a sonhar.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Muito bom o teu post...Na verdade é realmente dificil ver o maio florido na indiferença quotidiana dos nossos dias...Gostei de ler, virei aki mais vezes :-)

7:57 da tarde  
Blogger White Castle said...

Este é um post do ano passado....

que teria aocntecido para teres escrito essas palavras?

é sem duvida o engraçado de ler posts antigos, qd ainda n te conhecia...

8:34 da tarde  

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