quinta-feira, abril 20, 2006

Que caminho segues jornalismo?

Está quase a chegar mais um aniversário do Dia da Liberdade. A curiosidade sobre como os media irão cobrir mais um aniversário da revolução surgiu-me. Agora que alguns jornais e televisões se tornaram novelas, que importância darão estes a um dia que se deve preservar na memória do povo? Espantar-me-ia se o jornalismo se lembrasse de cobrir condignamente este dia, à excepção, com certeza, dos jornais de referência: Público e Diário de Notícias. Sem querer tirar mérito próprio ao DN, julgo que o Público é melhor. E porque é que é melhor? Porque tem um forte carácter ideológico. Porque sabe que comemorar Abril ou acontecimentos similares é um sinal de se fazer bom jornalismo. Porque este jamais pode esquecer que a liberdade de expressão foi uma das grandes conquistas do dia 25 de Abril.
No entanto, nos dias que correm, é "politicamente correcto" os jornais não tomarem partido político. Sem querer, estão a piorar o jornalismo com isso. Se o jornalismo também não for um instrumento de denúncia política, que tipos de denúncia sobram. Denúncias sociais, por exemplo. No entanto, os media - e principalmente a televisão - julgam que saber denunciar (ou seja, mostrar o que está mal) é fazerem reportagens sobre pessoas a sofrer, numa autêntica pornografia de sentimentos. Esquecem-se que saber denunciar é saber questionar. O problema é que o imediatismo exigido hoje ao jornalismo é um dos principais entraves à investigação. Por isso, o jornalismo de investigação - para mim uma das verdadeiras razões de ser jornalista - não tem espaço nos media portugueses. Dou um exemplo. Recentemente, as televisões (que estão cada vez mais iguais) mostraram reportagens sobre milhares de portugueses que fizerem férias nesta quadra pascal. Agências turísticas lucraram imenso. Uma televisão fez reportagem no Rio de Janeiro, onde mostrou os "tugas" todos regalados a apanharem banhos de Sol. Pergunto-me - isto é notícia? Não tem grande valor. É apenas um fait-divers. No entanto, podia-se pegar este tema por outro prisma: como é possível tanta gente fazer férias num país altamente em défice, com milhares de famílias endividadas (todas, segundo cálculos estatísticos)? Aí sim, o jornalismo questionaria o porquê das coisas. no entanto, seria necessária uma coisa - investigação. E essa não existe. Até a melhor escola de investigação jornalística do país está nas ruas da amargura - o Expresso, que no dia em que mudar de formato morrerá para sempre. Há pouco tempo, num congresso sobre jornalismo em Lisboa, debateu-se o problema da falta de investigação no jornalismo português. É um facto que a "velha guarda" de jornalistas se encontra preocupada. Também outra vez Clara Ferreira Alves manifestara a sua preocupação sobre isso. E sem a investigação as pessoas não questionam. Ficam presas a autênticas telenovelas em horário nobre, esquecendo-se do real. Porque o jornalismo agora tem um grande lado ficcional. E os jornalistas cada vez mais são animadores de espectáculos. Veja-se o recente funeral de uma personagem da telenovela Morangos com Açúcar. As pessoas não viram o enterro de Francisco Adam. Viram o enterro de uma personagem. Do Dino, a única pessoa que os (tele)espectadores conheciam. E a televisão que transmite a telenovela, fez disso um Acontecimento. E transformou os jornalistas em entretainers. E se esses jornalistas questionassem este trabalho à direcção? Teriam a porta da rua assegurada como saída. Aliás, num encontro de jornalismo há uns anos atrás, um jornalista foi atacado por colegas por estar a apresentar um reality show. Disseram-lhe coisas como "é uma vergonha para a profissão", entre outras. Esse apresentador/jornalista teve uma reacção totalmente inesperada. Levantou-se a chorar e berrou para os que o atacavam, dizendo que tinha mulher e filhos para cuidar. Não podia ficar no desemprego.
Afirmei, no começo do parágrafo anterior, que é "politicamente correcto" os jornais não tomarem partido político. Ou seja, não podem ter uma ideologia. Nada de mais errado e de condenatório para os media. O verdadeiro jornalismo é ideológico. Não quero dizer que se deva tomar um partido definido. Isso também é errado. Mas deve-se saber que posição toma politicamente, em termos ideológicos. O Público toma posição. É de esquerda. Basta ler o modo como trata certos temas. Como aborda certas pessoas. E os artigos de opinião de muitos dos seus colaboradores e mesmo editoriais (há excepção de muitos de José Manuel Fernandes). Mas isso não quer dizer que por o governo ser de esquerda, ele não mostre os seus podres se tiver que ser. Não é isso que está em causa. O que está em causa é uma ideia de liberdade. De saber que o acto de fazer jornalismo é um acto político. Assumir essa condição é um primeiro passo para se fazer bom jornalismo. Algo que cada vez mais escasseia no nosso país.

1 Comments:

Blogger delusions said...

Antes de mais obrigada pelo comentário no meu blog... Fico contente por acompanhares de perto :) também passo aqui com alguma frequência, ou no mínimo quanta me é possível.

Quanto ao estado do jornalismo em Portugal podíamos conversar sobre isso para sempre... Infelizmente, iriam dominar as críticas negativas... O jornalismo português está a deslizar invariavelmente para um sensacionalismo comercial... Pelo menos ainda alguns meios de comunicação se destacam pela positiva, como o Público que referenciaste e que gosto muito.

Bjs*fica bem...

2:34 da tarde  

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