Algumas breves notas
1 - Como jornal de referência que é, o Público trouxe em destaque, na sexta-feira passada, o facto de Portugal ter sido ultrapassado pela República Checa em termos de PIB por habitante. O facto de outros meios de comunicação pouco terem referido esse dado revela uma velha mentalidade portuguesa: o fugir aos problemas. Portugal, mais uma vez, não consegue encarar de frente os seus problemas. Não consegue olhar-se ao espelho. Tudo aquilo que é mau é remetido para o subconsciente de um povo derrotado por forças estranhas. Talvez fantasmas de um Álcacer-Quibir, ou de uma ditadura demasiado longa no século XX que ainda assombram o imaginário colectivo. Curioso ensaio se podia escrever exclusivamente sobre o medo português. Agustina lança esses dados em O Mosteiro, romance em que um historiador, ao fazer uma biografia sobre D. Sebastião, acaba por conceber um ensaio sobre o medo. Já mais recentemente, José Gil abordou esse tema em Portugal Hoje, o medo de existir. E nesse ensaio tantos exemplos dá do receio de sermos. O caso das famílias que, após a morte dos entes queridos, deixam todas as coisas destes no lugar. Avessas à ideia de que partiram, continuam a olhar para as suas coisas como se ainda pudessem voltar. Têm medo de encarar a realidade da morte. Do fim. Esta mentalidade portuguesa envolve-nos e asfixia-nos.
Já o medo de existir não acontece em países do antigo bloco de leste. Agora, somos ultrapassados pelos checos. Amanhã será pelos polacos, depois pelos húngaros. E, quando um dia Portugal se descobrir na cauda da Europa, nos questionarmos pelo motivo do nosso atraso, não saberemos, mais uma vez, procurar a culpa em nós.
A notícia da queda económica de Portugal, por um lado prostrou-me. Por outro deixou-me feliz pelos checos. Admiro imenso os povos da ex-Europa de leste. Travaram guerras durante décadas. Tiveram lutas fractricidas. Foram invadidos constantemente, e em pleno século da modernidade, pelas ditaduras imergentes. Apesar de tantas desgraças, de verem as suas capitais serem arrasadas, de verem as crianças morrer de fome, acreditaram que se levantariam. E apesar de, ainda hoje muitos deles serem mais pobres que Portugal, basta passear durante uns poucos dias por essa Europa para perceber que nós, portugueses, vamos ser mesmo ultrapassados. Senti isso nos restaurantes de Praha. Admirei-me com o esforço dos habitantes de Cracóvia e Varsóvia para se tornarem modernos. Percebi que Budapeste será, um dia, um dos centros da Europa. Tudo porque eles não têm medo de encarar o futuro. Porque sabem ser europeus. Nós, aqui à beira-mar plantados, não temos espírito europeu. Outrora dominadores de povos, agora estamos numa encruzilhada. Até quando?
(Se um dia deixar de acreditar em Portugal, talvez regresse para leste... Sinto tantas vezes que tanto há a fazer por Portugal. Mas outras, o cansaço de ver tanta "gente rude e entristecida" é mais forte. Apetece-me ir para o centro da Europa outras culturas viver... )
2 - Num tempo em que o DN parava aos sábados aqui por casa, havia um comentador cujo estilo me indignava. Atacando provocatoriamente e sem papas na língua o que lhe apetecia, Vasco Pulido Valente, na sua coluna Faz de conta, incomodava-me. Apesar de tudo, reconhecia-lhe frontalidade. Porém, a partir de uma certa altura recusei-me a lê-lo. O seu estilo raivoso demais me parecia. Passaram-se alguns anos e Vasco Pulido Valente começou a escrever no Público, na última página. Ao princípio, pensei que era uma péssima aquisição, e desconfiado comecei a ler as últimas crónicas. Mas, aos poucos, como se Vasco P. Valente se transformasse, ou eu tivesse aberto os olhos, comecei a concordar com muitas das suas incisivas crónicas. A de ontem, sobre este problema de sermos ultrapassados no PIB per capita pela República Checa, não é excepção. Tal como compreendi, também, que Vasco Pulido Valente ataca todos sem se preocupar sobre quem é. E, quando elogia, é porque o elogiado fez algo mesmo importante.
Sinais dos tempos. É difícil argumentar contra Vasco Pulido Valente. Ontem passava à frente dos seus escritos. Hoje é das primeiras coisas que no Público busco.
3 - Manoel de Oliveira é, para mim, o maior realizador português. O facto de ter pouco público não impede esse facto. Os seus filmes não são para todos. Não realiza Crimes do Padre Amaro, cuja atracção principal é mostrar a nudez de Soraia Chaves. Pelo contrário, concebe obras que um dia figurarão para sempre na galeria dos melhores filmes europeus de sempre. Mas Oliveira é pouco respeitado. Principalmente pelo seu Porto natal, cidade que invariavelmente passa pela sua obra. Ora, acontece que o Porto, nenhum cinema está a exibir o seu novo filme, O Espelho Mágico. Em nenhuma sala de cinema entre o Douro e a Circunvalação, é possível ver esta nova obra do mestre dos realizadores. Os mais próximos locais da Invicta são o Norte e o Gaiashopping. E este último só a uma hora - às 19.10h. É assim que tratamos quem lá fora, nos festivais de cinema, nos dá nome.
Um dia, que esperemos longínquo, quando Oliveira falecer estou já a ver os poderes políticos e públicos, que raramente contactaram com a sua obra, a elogiá-lo grandemente. A aplaudirem-no quando morto, e a dizerem que sim, que de facto era o maior realizador português e uma honra para a nação. É sempre assim em Portugal. Só somos bons quando estamos quietos e não incomodamos.
4 - Recentemente escrevi sobre a Bertrand e a brilhante forma como se organiza. Acreditem ou não, a história que relatei não tinha acabado. Encontrava-me serenamente, na última sexta-feira ao fim da tarde, a ler partes do exemplar estragado da biografia de JFK na loja Bertrand de shopping, quando recebo um telefonema de número desconhecido. A conversa seguinte podia sair de um livro de Boris Vian. Boa tarde, é o senhor Duarte?... Sou!(nesta altura pousara o livro de novo na estante)... Fala da Bertrand... (fico em silêncio, pasmado...)... Era para dizer que o livro que encomendou em dezembro está esgotado... (ainda meio atordoado dirijo-me, a ouvir a empregada, ao balcão da recepção, e digo-lhe para olhar em frente...). Coincidências engraçadas...
1 Comments:
Acredita ia ser um ensaio do carago como s diz cá no norte...
Realmente é triste não se dar atenção a realizadores tão importantes como Manoel de Oliveira... Quanto á exibição do filme também já tinha reparado que não estava a ser exibido em muitos sítios...
Isso que aconteceu na Bertrand é completamente surreal...
fica bem*
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