segunda-feira, março 13, 2006

Pensamentos avulsos

O tempo tem escasseado. O trabalho tem sido bastante. Quando chego a casa não tenho a paciência suficiente para escrever. Várias vezes, em trânsito na rua, nos transportes públicos ou mesmo a adormecer, lembro-me que devia escrever mais vezes. Sobre coisas que penso ou não só. Porém, o vagar tem sido pouco. Apetece-me antes ler. Umas coisas leves - um romance do Raymond Chandler - ou pesadas - a biografia do Mao Tsé-Tung, monstro infernal do séc. XX.
Ora, hoje talvez porque amadureci ideias, ou porque uma paciência inexplicável me invadiu para me sentar em frente ao monitor, decidi escrever umas linhas desconexas. Sobre coisas avulsas. "Casos do dia". Preocupações que o espírito me assaltam. Etc. Talvez seja esse o futuro deste blog. Por isso, o que se segue são apenas notas avulsas. Pensamento "puro", no sentido em que não é trabalhado: nem literariamente, nem pacientemente revisto. Se calhar até vou mostrar mais o meu lado político...

1 - Sempre me meteu impressão, apesar de compreender que vivemos num espaço económico europeu livre, que as ecoomias de outros países nos invadissem. A Zara, por exemplo, tem uma implementação de sucesso no espaço português. De tal modo que numa mesma rua do Porto, Sta. Catarina, existem duas dessas lojas, e as duas não se anulam. Também a francesa FNAC nos invadiu, criando nos shoppings e nos centros das principais cidades autênticos supermercados de cultura. Locais onde a qauntidade é privilegiada. Preços por vezes imbatíveis trouxeram. Entre outros exemplos.
Agora, a última dor de cabeça do comércio português é a abertura nos próximos meses do El Corte Inglés, na outra margem. Mas porque razão eles nos venceram. Primeiro, porque são mais fortes economicamente. E, segundo e principalmente, porque são melhores. Laxismo é, para estas novos indústrias de consumo, palavra proibida. E mesmo aquelas lojas portuguesas que lhes tentam seguir o passo perdem... e fazem o cliente perder a paciência.
Dou um exemplo que se passou comigo e com as lojas Bertrand. Em finais de Dezembro pedi, numa livraria de shopping, um livro da Taschen. Eles disseram que o mandariam vir de uma loja de Coimbra, e que chegaria no início do ano novo. Disse-lhes, claramente, que se encontrasse o livro noutra livraria não levantaria a encomenda. Eles, como grande loja que são, tentam ter a ombridade mal disfarçada de satisfazer o cliente. Responderam-me que não havia problema.
Passado dois dias encontrei o livro, na agora renovada Livraria Britânica. Algum tempo depois avisei a loja que já não precisava do livro, que não precisavam de mo encomendar, devido talvez a um fundo de honestidade que talvez possua. Agradeceram com ar de frete o ter avisado.
Passaram-se mais de dois meses. E já neste março que agora está a florir recebo um telefonema, ia eu no Metro. Era da loja Bertrand. Uma voz toda amigável avisava-me, como se estivesse a dar-me a melhor notícia do mundo, que o livro que encomendara em dezembro acabara de chegar. O livro que já tinha. Que vinha de Coimbra. O pedido a que se esqueceram de dar baixa.
Mas as "aventuras" com esta empresa portuguesa, que pretende competir com as empresas culturais estrangeiras, não se ficam por aqui. A Bertrand também é editora. Desde sempre, e com autores de qualidade. Foi esta casa livreira que editou a obra de Aquilino Ribeiro. Que publicou, num tempo em que trevas da censura cegavam o país, livros como "Quando os lobos uivam". Ora, eu pretendia adquirir um livro da editora bertrand, que deve estar melhor representada nas livrarias... Bertrand. Da mesma colecção do livro do Mao Tsé-Tung que referi atrás. Também uma biografia. Mas desta vez de um democrata: Kennedy: uma vida inacabada, de Robert Dallek. Um texto que todas as críticas consideraram como a melhor biografia até agora escrita sobre o trágico presidente americano. Fui à mesma loja Bertrand de shopping. Tinham um exemplar, completamente estragado. E eu, que trato os livros como objectos sagrados (talvez como na infância ainda busque neles um amigo...) recusei-me a comprá-lo. Perguntei se não tinham outro exemplar. Primeiro, perguntaram-me qual era a editora! Depois, disseram não podiam pedir mais exemplares unquanto não vendessem aquele, o que julgo ser impossível visto que nem mesmo o mais cego leitor compraria um livro daqueles no estado em que estava. Deram-me a hipótese de encomendar um exemplar. Porém, não arrisco a que chegue outro em mau estado. Recusei.
Neste fim-de-semana voltei a procurar o livro na Bertrand de outro shopping, agora na outra margem desse rio que une duas cidades quase gémeas. Mais uma vez, os empregados não sabiam que a editora que publicava o livro era a mesma que lhes pagava o salário. O livro não está esgotado. Mas como não se vende ocupa espaço. Espço necessário para novos pretensos best-sellers de literatura light.

Infelizmente, o caso da Bertrand é um entre milhares nas empresas portuguesas. Entidades que não compreendem porque as Fnac e os El Corte Inglés as ultrapassam. As empresas estrangeiras têm uma cultura de trabalho. Formam os empregados de base. Neste momento, centenas de trabalhadores estão a ser ultimados para a abertura do El Corte Inglés Portogaia... perdão, por enquanto só Gaia (um dia, quem sabe, Portogaia deixará de ser sonho...). Ensinam-lhes a cultura da empresa. Obrigam-nos a saber o que cada secção tem. Transmitem-lhe uma cultura de trabalho. Um dia, em que as empresas portuguesas isso façam, Portugal pode-se bater com as Fnac's e outras entidades estrangeiras. Mas por enquanto, os portugueses preferem pagar qualidade no atendimento. Respostas rápidas aos seus pedidos. E é por isso que somos batidos pelos outros. Porque não sabemos vender o nosso produto. Qual trolhas ao lado de doutores a vender algo.

2 - O Manuel é um rapaz como tantos outros. Não tem curso superior. Mas tem uma especialização técnica que equivale ao 12º ano. Foi para esse curso técnico um pouco contrariado. No entanto, acabou por gostar. Lá ganhou amigos, e acabou por gostar das matérias. Acabou o ano com um estágio na sua área. E, passado algum tempo, arranjou emprego numa área parecida. Dois anos se passaram com o Manuel a ganhar mal e a fazer sacrifícios pela empresa que o contratou. Andar de noite pelos distritos à volta do Porto a fazer medições de ruído, por vezes doente. E tantas vezes a pôr as despesas do seu bolso. No fim do contrato, preferiram não lho renovar. Melhor empregar por dois anos outro "escravo" do que efectivar um.
O Manuel passou a correr ao posto de emprego. Há pouco mais de um mês esse pasquim sensacionalista chamado 24 Horas apanhou-o à saída e entrevistou-o. Hoje, dia 13, ali está ele com aquele sorriso de criança, que conheço desde sempre, nas páginas do jornal, a contar os seus males. E como ele há milhares de jovens por esse país fora. Milhares que viram algo de bom passar-lhes ao lado: um emprego seguro. Algo que cada vez menos é um direito, e passou a ser um privilégio.

3 - Uma frase que em deu que pensar - Não há liberdade sem lei. Uma verdade tão simples. Mas de que, por causa disso, raramente nos apercebemos. A lei e mais qualquer coisa é a base do Homem. Há lei para controlar o Homem por várias razões. Mas a principal é a de o auto-controlar. O de o fazer ser sociável, e não pisar esse valor ténue e universal que é a liberdade. Uma frase que vem na Antiga Bíblia. Sempre presente na história do ser humano.

4 - Mais uma nota? Sim, queria escrever uma nota longa sobre esse fenómeno do universo da comunicação social. É grave quando os media televisivos se alongam com desgraças. É grave quando um telejornal se transforma numa telenovela. É grave fazer um telejornal de não notícias. É grave quando o JN, jornal que admiro pela sua história e por uns resquícios de qualidade cada vez mais invisíveis, se transforma quase num foto-jornal. É grave ver uma redacção mecanizada em casos de dia. É grave os jornais dizerem que não têm leitores mas não os sabem educar. É grave o jornalismo em Portugal. Reafirmo. Não tenho espírito de coveiro. Agora percebam aqueles que podem perceber. E questionem aqueles que não sabem.

5 - Escrevi atrás sobre o Manuel e o seu curso tecnológico. Eu também estou a tirar um. Mas dizem que é curso superior. Enganei-me ou enganaram-me. Já não busco culpas. Pudesse eu repetir o que está para trás e talvez fosse feliz. Mas a vida é, como explica Kundera, uma peça de teatro sem repetição e sem ensaio. É a sua ideia de eterno retorno...
Resta-me o consolo de uns rostos perdidos entre as paredes de uma sala vazia. De umas vozes amigas que me acompanharão, assim o espero, no resto desta aventura errática chamada vida. E dos belos pôr-do-sol vistos da janela do estreito corredor do segundo andar...

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Duarte, belas linhas. Grande abraço, Viana

5:48 da tarde  

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