quinta-feira, março 02, 2006

As palavras que não sabemos dizer

Que poder existe em certas palavras que o coração nos abalam? Talvez o lado fonético, que as torna forte. Talvez o modo como elas são interpretadas pelos receptores, que devido à experiência de vida as interpretam como querem... ou como podem. Verdadeiramente, o que é uma palavra? Um simples som pronunciado numa língua qualquer. Um termo simples ou complexo. Normal ou técnico.

Mas as palavras são muito mais do que isso. Elas são uma pura expressão do género humano. Do homo communicantis, uma espécie de novo género humano que surge com este advento que se vive da informação ao segundo. Muitas palavras deixaram de ter sentido. Algumas, até ontem puros tabus, vulgarizaram-se nas bocas mais incapazes de as pronunciarem. Outras esquecidas foram pelos tempos subterrâneos que percorrem a vida humana.

Porém, as palavras não se esgotaram. Pelo contrário. O Homem vive intensamente em busca da palavra. Daquela que esmagará todas as outras e, como um cristal, revelará a verdade do mundo. Sonho utópico? Sem dúvida. Mas o que é a Humanidade mais do que uma expressão de um devir-sonho? As palavras são, também, o Graal dos escritores. A busca da sua máxima expressão. Porque estes são como campos semeados. São terra cultivada, que depois de várias monções e secas deixam brotar o seu fruto. Porém, alguns são podres. Outros são de uma beleza rara e nova, com um sabor nunca antes experimentado. Esses frutos são palavras. E o sonho de qualquer escritor é encontrar a última das palavras. Aquela que abrirá o mundo a todos os conhecimentos. A todos os saberes. Uma luta sofredora...:

A vida inteira para dizer uma palavra!
Felizes a que chegam a dizer uma palavra!

Saul Dias

Este poeta e pintor, irmão de José Régio (um dos mais injustamente esquecidos poetas lusos) é citado em epígrafe por Vergílio ferreira, no seu romance Para sempre. Para sempre é uma espécie de continuação de Aparição. mas com outro personagem – Paulo - , que devido à velhice e viuvez regressa à casa onde nasceu. Para esperar pelo fim inevitável. Pela morte. Para sempre. Mas mal entra em casa, numa tarde de Agosto, é assaltado pelas memórias. Da infância. Da mulher que partiu há frente dele (impressionante o modo como é narrado, sempre na primeira pessoa, a morte de Sandra). Da filha que não vê há muito tempo. Dos desgostos dos amores. E, de toda a experiência de vida, que agora chega ao fim, que palavra nomear para descrever toda a sua existência? Este é um dos motores do romance de Vergílio Ferreira. A busca da palavra, que no final do romance se compreende que jamais se poderá alacançar. Porque essa palavra não é nossa. «É a palavra que conhece o mistério e que o mistério conhece – não é tua. De ti é apenas o silêncio sem mais e o eco de uma música em que ele se reabsorva» (última página do romance).

A busca da palavra é infrutífera. Mesmo assim, prefiro continuar a tentar semear em mim o fruto dela. Suportando as tempestades e as secas. Os ventos e o sol. dizem que sou idealista. Assumo que sou. Mas por vezes, o que é o idealismo? Uma espécie de grau elevado do pragmatismo.

1 Comments:

Blogger delusions said...

adorei...estou um pouco sem palavras o que não deixa de ser um pouco irónico... Mas concordo inteiramente... Gostei muito da conclusão final..."o que é o idealismo? Uma espécie de grau elevado do pragmatismo." Genial...
Fica bem*

10:55 da tarde  

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