Abril dos cravos vermelhos
Há apenas trinta e dois anos, Portugal era um país sem liberdade. Por mais que estudemos este passado recente, mesmo para muitos como eu que contam só um dígito no número de anos entre a revolução e a data do nascimento, não sabemos como era viver sem liberdade. Como era ter medo de à rua sair e poder alguém denunciar-nos por a nossa opinião exprimir-mos. Tempos cavernosos que o país assolaram durante décadas. Penso muitas vezes no 25 de Abril. Na sua importância para mim e para a minha geração. Quase trinta e dois anos depois, porém, a memória esvanece-se. Os valores de Abril estão frágeis. A luta agora por saber conservar a liberdade está a empalidecer. Os cravos vermelhos murcham aos poucos.
Carlos Fabião, um dos militares que integraram a Junta de Salvação Nacional, morreu no início deste mês. Nenhum membro do actual governo foi, ou se fez representar, nas cerimónias fúnebres. Uma ditadura do esquecimento parece começar a ser imperadora neste Portugal filho de Abril. Outro caso é a construção, no edifício que era a sede da PIDE, de um condomínio de luxo. Em vez de se preservar uma memória de dezenas ou centenas ou milhares de torturados e mortos naquele lugar - que corajosamente lutaram por nós todos - prefere-se ganhar dinheiro fácil em Lisboa. O capital manda agora nas personalidades humanas.
Porém, não excluo que estes também são sinais de liberdade. Porque viver em democracia é também saber seguir um caminho em que não se pode olhar para trás. Feita a História, o que importa é o futuro. Esquecer os podres e as glórias e procurar um lugar ao sol neste cada vez mais frágil mundo. Mundo que se revela cada vez mais um lugar estranho, onde os corruptos num país chamado Itália estão prestes a vencer as eleições, ou onde o "bastião democrático" dos EUA têm um presidente que quer combater outro país com armas nucleares.
Lembro-me várias vezes da fotografia do capitão Salgueiro Maia, herói operacional do 25 de Abril, que em pleno Largo do Carmo, onde acabara de depor a ditadura, olha para a objectiva do fotógrafo com um dos olhares mais tristes que já vi retratados. As revoluções são como monstros que devoram os seus pais - diz-se. Talvez seja a legenda ideal para a fotografia do capitão Maia.
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