segunda-feira, setembro 22, 2003

Os livros traídos

Em Portugal, o mercado editorial livreiro entretem-se a publicar ninharias. Porém, grandes clássicos da literatura e livros que mudaram o mundo não se encontram à venda Por quê?

Oliveira Salazar - Discursos-6 volumes
Karl Marx O capital-9 volumes (apenas três publicados pelas Edições Avante)
Padre António Vieira - Obra completa
Sigmund Freud - A interpretação dos sonhos

Estes são apenas alguns exemplos de obras que mudaram, por vezes, o curso da História mas que não se encontram em Portugal. Não é pela sua ideologia nem pelo desinteresse dos leitores que não existem. São por laxismo e incúria dos editores. Repare-se no seguinte exemplo: o Partido Comunista Português (PCP) pretende, concerteza, como partido com forte cariz ideológico dar o maior número de informações a possíveis militantes. Ora, a sua editora associada, a AVANTE, é uma editora sem rei nem roque. Telefona-se para o seu armazém a pedir livros e não sabem o que têm. Pedem-se informações sobre novas publicações e também não sabem. Pergunta-mo-nos: que raio de partido é este? Tem dinheiro só para organizar festas? Não tem dinheiro para pagar a tradutores especializados a continuação da publicação d' O Capital? Ainda a opus magnum da economia. Um livro que ainda tem uma força assustadora? Afinal, Marx está vivo ou é o próprio PCP que o quer matar? Até os americanos, imperialistas e ainda anti-socialistas têm O Capital publicado. Em edições... populares.
Ora, Portugal nunca esteve debaixo do jugo de uma ditadura comunista. Esteve-o, porém, debaixo de uma bem pior durante quarenta e oito anos. Uma ditadura fascista «comandada» por Salazar, uma personagem sinistra e sempre discutível. O ditador português publicou, em vida, seis volumes de Discursos . Como tivemos a sorte de ainda arranjar três volumes (primeiras edições em bom estado: que milagre) temos uma ideia do que o tirano escrevia. E que surpresa. São bem escritos e, embora não concordemos ideologicamente, concordamos que as ideias neles contidas fizeram grande parte da História portuguesa do séc. XX. Eles são história. E porque é que não estão publicados? Medo que a ideologia que nos sofucou no século passado ressurja neste com novo fulgor? Não há explicação.
Em todos as listagens dos grandes livros do séc. XX está lá. Marcou a pintura surrealista. Abriu caminho para uma ciência considerada hoje imprescindível: a psicanálise. Existe em Espanha, França (nossos vizinhos) e em tantos outros países publicados (no Brasil até fizeram edições especiais no centenário de Freud). Só não existe em Portugal. Referimo-nos, como já devem ter calculado, a A interpretação dos sonhos de Freud. É criminoso nenhuma editora ter esta obra publicada no nosso país. Nem a Imprensa Nacional, que devia dar o exemplo (embora o nunca dê). Como é que os estudantes de psicologia estudam algumas noções básicas de Freud, hoje tão importantes nestes cursos? Por sebentas? Edições estrangeiras? Nem queremos imaginar.
Imperador da língua portuguesa. Assim António Vieira foi nomeado pelo maior escritor português do século XX. Seus escritos - sermões e cartas - estão publicados. Porém, estão editados numa das mais caras editoras nacionais - a Lello - em volumes que custam à volta de 60 Euros. Onde temos dinheiro para compar a obra deste fabuloso escritor? Se ficamos deliciados no secundário com o Sermão de Sto. António aos peixes porque não nos querem deixar ler mais coisas deste autor? E, já agora, de Camilo Castelo Branco? onde estão as grandes obras que identificam um país perante o mundo? Onde está a grande literatura no nosso país? Só nos deixamos levar por escritores estrangeiros que nada dizem, tais como Paulo Coelho, Isabel Allende, Laura Esquivel, etc. É que as grandes editoras não são boas. E as boas (a Parceria, a Caixotim, a Fenda, etc.) não são - infelizmente - grandes.

Duarte Sousadias