segunda-feira, junho 04, 2007

Impressões passadas da minha cidade

Ao apreciar hoje mais uma vez este blog (obrigado Carlos Romão) senti uma imensa nostalgia de quando me passeava despreocupadamente pela minha cidade. Brevemente recuei nas estações do ano. Fui do calor de agora aos amenos Outonos, regressando assim aos castanhos fins-de-tarde da Invicta.

A torre dos Clérigos parece mais escura apesar do céu não ter nuvens. Vejo-a em frente, na rua José Falcão, enquanto sigo a caminho de casa. As poucas montras desta rua já estão iluminadas tenuemente. As primeiras ofertas de natal são compradas pelos raros clientes das lojas. Dobro a esquina da Leitura. Desço Ceuta que ainda não tem obras. Espreito o entristecido mas clássico café com o nome da rua. Apetece-me por momentos entrar. Mas não o faço. A cada minuto a intensidade da luz natural diminui. Passo debaixo das árvores sem espaço da Praça com o nome da mãe da ínclita geração. Feio buraco chamado túnel aqui se encontra, desprovindo a cidade de mais uma praça.

Dos Aliados me aproximo. Recolho o meu parco sorriso em vista da nova avenida sizenta. Mas… Oh surpresa só conseguida pela memória. A calçada à portuguesa regressou aos passeios. Nas placas centrais os jardins voltaram. Os velhos bancos vermelhos de madeira já pelo tempo descoloridos ali estão ao lado dos canteiros com flores. Neste quadro até as estátuas parece vida terem ganho. Os idosos começam a levantar-se dos bancos para regressarem a casa. Os autocarros laranja param e arrancam continuamente nas várias paragens. Passageiros de gabardina, casacos e chapéus, dos mais modestos aos mais ricos, circulam avenida acima avenida abaixo buscando o autocarro que os levará ao seu destino. Há de novo vida no coração da baixa. Os olhos fecho e respiro um pouco da cidade. Abro-os bruscamente e de novo olho… Estou noutro local…

O céu está cinzento. Durará por horas a trégua pela chuva dada. O caudal do rio é rápido e a água quase transborda. Não se adivinham porém inundações. O eléctrico com o seu barulho característico acaba de chegar ao seu términos, defronte da Igreja granítica com várias fachadas. Os passageiros, vindos de longe, saem com alívio da tortuosa viagem em parte feita marginal fora. Viro-lhes as costas. Olho para o rio sujo com os meus pequenos olhos verdes. A minha cabeça mal chega às grades que protegem o mais incauto de cair lá em baixo à linha de comboio. Há manobras de locomotivas e vagões junto da Alfândega.

Chamam-me! É para regressar. Passo pelo pequeno jardim onde os passeios de macadame e pedra estão irregulares. A relva dos canteiros enlameados é pouca. Cá em cima, frente ao mercado de ferro, uma senhora de idade às pombas dá pão. Uma conduta verte água. As pombas mergulham nessa água o seco pão para melhor engolirem a preciosa oferta. Desço pela esquina da esquadra da polícia com o meu eterno companheiro de infância. Subimos um pouco a rua de velhos prédios altos que à estação de comboios vai acabar. De repente, um barulho de buzinas ouço. Levanto um pouco o gorro verde para melhor olhar. É apenas o troleicarro que parou. O velho 49 laranja de aspecto rectangular perdeu uma vez mais o seu contacto com os altos fios amarrados a altos postes que energia para andar lhe fornece. Ando mais um pouco. E para sempre o meu andar pelo destino foi continuado nas inconscientes noites de profundo sono, já que só nelas podemos reviver as nossas perdas.

Perdoa-me minha cidade a primeira traição. Será apenas com esse perdão misericordioso que eu poderei cometer segunda traição que talvez ainda venha longe…

PS - Queria escrever um post sobre a Feira do Livro, ali no Palácio de Cristal pela última vez, e a importância que este evento para mim tem (tantos livros que para mim olham das estantes ao escrever estas linhas). Não está fácil a inspiração. Talvez porque não seja eu que tenho alguma coisa para dizer sobre a feira. Antes é ela que tem a dizer algo sobre mim...

2 Comments:

Blogger White Castle said...

1.º: Já falas em ter olhos verdes, é um avanço ;) pequenos olhos verdes? não.. tens uns olhos grandes, ao teu nível, que abarcam um mundo com a garra de um vencedor; tens uns olhos que se transmutam consoante a claridade do mundo que o rodeia.. de uns olhos cinzentos profundos, a uns olhos verdes mais aveludados, a uns olhos verdes claros não vivos, rodeados com uma linha castanha, que os tornam peculiares, que os tornam o paradigma dos contrastes; olhos verdes são traição, diz a música. Dizes que traiste o Porto...
Qual quê? o amor incondicional que lhe tens nunca pode consubstanciar uma traição! A forma como lhe conheces os cantos e recantos demonstram uma dedicação enamorada, típica duma criaança extasiada por ver algo sempre novo! Porque estar enamorado consiste em ter a capacidade para ver algo novo, na rotina do passar do tempo!

2.º Esse estar enamorado permite-te redescobrir e redescobrir-te nessa redescoberta do teu berço... E deixa que te diga que passaste numa rua com o teu apelido ;

3.º Quando vim para o Porto, não gostava da cidade... Mas o seu respirar invadiu-me de tal forma, que é impossível resistir! E tanto me passa ao lado e que me arrependo! E a nossa faculdade tão maravilhosa, a sua localização permitiu-me esse encantamento constante, esse deleitar pela tarde pardacenta, pelo sotaque, pelo vagar constante e vigoroso de um Douro tão mágico, pelo casario antigo, pela cidade iluminada à noite, pelo Molhe vergastado pelas águas raivosas, pela areia grossa que nos pica a alma!

4.º: quanto à feira do livro, puxa da imaginação e faz-nos o favor de escrever algo pessoal, sobre algo aparentemente banal! E a beleza das coisas não estará em pegar no banal e torná-lo especial?

5.º Como vês apesar do texto ser grande li-o com bastante curiosidade, e seguindo o espirito de reciporcidade, ficou assim um comentario algo "grandito".

6.º O Carlos Romão é quem eu penso que é?

*********************************

8:40 da tarde  
Blogger White Castle said...

É só para dizer que a parte final do 2.º ponto afinal não se aplica...

12:24 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home