quarta-feira, junho 13, 2007

Mapa secreto

Vou procurar o mapa da tua alma desenhar quando estivermos perdidos no jardim das fontes. Sentados na verdejante relva, junto à fonte onde se encontra a estátua daquela estranha figura mitológica, irei tentar compreender teu ser, em ti descobrir secretas cidades, ternuras escondidas do teu coração.
Pausadamante, as ternas tardes idílicas gastaremos a conversar sobre a vida e sobre a morte, sobre a dor e o amor. Com as mão enlaçadas, como se daí dependesse a continuação do mundo, veremos o sol despedir-se de nós mortais. Aí sorriremos um para o outro. Suavemente e dedo por dedo retiraremos nossas mãos umas das outras. Não diremos adeus por palavras... Apenas o olhar bastará...
E quando a noite com o seu manto de azul forte chegar, talvez aí já tenha a chave do mapa da tua alma...

segunda-feira, junho 04, 2007

Impressões passadas da minha cidade

Ao apreciar hoje mais uma vez este blog (obrigado Carlos Romão) senti uma imensa nostalgia de quando me passeava despreocupadamente pela minha cidade. Brevemente recuei nas estações do ano. Fui do calor de agora aos amenos Outonos, regressando assim aos castanhos fins-de-tarde da Invicta.

A torre dos Clérigos parece mais escura apesar do céu não ter nuvens. Vejo-a em frente, na rua José Falcão, enquanto sigo a caminho de casa. As poucas montras desta rua já estão iluminadas tenuemente. As primeiras ofertas de natal são compradas pelos raros clientes das lojas. Dobro a esquina da Leitura. Desço Ceuta que ainda não tem obras. Espreito o entristecido mas clássico café com o nome da rua. Apetece-me por momentos entrar. Mas não o faço. A cada minuto a intensidade da luz natural diminui. Passo debaixo das árvores sem espaço da Praça com o nome da mãe da ínclita geração. Feio buraco chamado túnel aqui se encontra, desprovindo a cidade de mais uma praça.

Dos Aliados me aproximo. Recolho o meu parco sorriso em vista da nova avenida sizenta. Mas… Oh surpresa só conseguida pela memória. A calçada à portuguesa regressou aos passeios. Nas placas centrais os jardins voltaram. Os velhos bancos vermelhos de madeira já pelo tempo descoloridos ali estão ao lado dos canteiros com flores. Neste quadro até as estátuas parece vida terem ganho. Os idosos começam a levantar-se dos bancos para regressarem a casa. Os autocarros laranja param e arrancam continuamente nas várias paragens. Passageiros de gabardina, casacos e chapéus, dos mais modestos aos mais ricos, circulam avenida acima avenida abaixo buscando o autocarro que os levará ao seu destino. Há de novo vida no coração da baixa. Os olhos fecho e respiro um pouco da cidade. Abro-os bruscamente e de novo olho… Estou noutro local…

O céu está cinzento. Durará por horas a trégua pela chuva dada. O caudal do rio é rápido e a água quase transborda. Não se adivinham porém inundações. O eléctrico com o seu barulho característico acaba de chegar ao seu términos, defronte da Igreja granítica com várias fachadas. Os passageiros, vindos de longe, saem com alívio da tortuosa viagem em parte feita marginal fora. Viro-lhes as costas. Olho para o rio sujo com os meus pequenos olhos verdes. A minha cabeça mal chega às grades que protegem o mais incauto de cair lá em baixo à linha de comboio. Há manobras de locomotivas e vagões junto da Alfândega.

Chamam-me! É para regressar. Passo pelo pequeno jardim onde os passeios de macadame e pedra estão irregulares. A relva dos canteiros enlameados é pouca. Cá em cima, frente ao mercado de ferro, uma senhora de idade às pombas dá pão. Uma conduta verte água. As pombas mergulham nessa água o seco pão para melhor engolirem a preciosa oferta. Desço pela esquina da esquadra da polícia com o meu eterno companheiro de infância. Subimos um pouco a rua de velhos prédios altos que à estação de comboios vai acabar. De repente, um barulho de buzinas ouço. Levanto um pouco o gorro verde para melhor olhar. É apenas o troleicarro que parou. O velho 49 laranja de aspecto rectangular perdeu uma vez mais o seu contacto com os altos fios amarrados a altos postes que energia para andar lhe fornece. Ando mais um pouco. E para sempre o meu andar pelo destino foi continuado nas inconscientes noites de profundo sono, já que só nelas podemos reviver as nossas perdas.

Perdoa-me minha cidade a primeira traição. Será apenas com esse perdão misericordioso que eu poderei cometer segunda traição que talvez ainda venha longe…

PS - Queria escrever um post sobre a Feira do Livro, ali no Palácio de Cristal pela última vez, e a importância que este evento para mim tem (tantos livros que para mim olham das estantes ao escrever estas linhas). Não está fácil a inspiração. Talvez porque não seja eu que tenho alguma coisa para dizer sobre a feira. Antes é ela que tem a dizer algo sobre mim...