segunda-feira, abril 24, 2006

Abril está em nós

Levantemo-nos nesta nova madrugada. Sigamos as estrelas no seu canto de cisne a anunciar uma nova manhã. Olhemo-nos no reflexo puro dos lagos e pensemos na Liberdade. Liberdade... Com consciência desta, sigamos por estes dias levantados. E façamos de cada coisa um acto à Liberdade. Procuremos as portas que faltam abrir para se cumprir sempre Abril. Cantemos quando for necessário. E gritemos contra o que estiver mal. Para que as vozes não se amordacem de novo. Para que a Liberdade continue a ser uma garantia de todos. E Abril é crença na Verdade e em nós.
Sigamos pela vida como se tivéssemos sempre cravos na mão. Procuremos ter sempre a Liberdade da Razão. Abril está nos nossos mais pequenos gestos. Só de nós depende que este todos os dias se repita.
Comemorar Abril é também comemorar os poetas. É comemorar aqueles que tiveram a coragem de fazer das palavras Liberdade. Por isso, aqui deixamos um poema dedicado a essa madrugada mágica de 25 de Abril de 1974, em que, para além de tudo, se celebrou Portugal. De Sophia, poetisa eterna deste país que, apesar de tudo, soube fazer a última Revolução romântica da Humanidade.

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo



quinta-feira, abril 20, 2006

Que caminho segues jornalismo?

Está quase a chegar mais um aniversário do Dia da Liberdade. A curiosidade sobre como os media irão cobrir mais um aniversário da revolução surgiu-me. Agora que alguns jornais e televisões se tornaram novelas, que importância darão estes a um dia que se deve preservar na memória do povo? Espantar-me-ia se o jornalismo se lembrasse de cobrir condignamente este dia, à excepção, com certeza, dos jornais de referência: Público e Diário de Notícias. Sem querer tirar mérito próprio ao DN, julgo que o Público é melhor. E porque é que é melhor? Porque tem um forte carácter ideológico. Porque sabe que comemorar Abril ou acontecimentos similares é um sinal de se fazer bom jornalismo. Porque este jamais pode esquecer que a liberdade de expressão foi uma das grandes conquistas do dia 25 de Abril.
No entanto, nos dias que correm, é "politicamente correcto" os jornais não tomarem partido político. Sem querer, estão a piorar o jornalismo com isso. Se o jornalismo também não for um instrumento de denúncia política, que tipos de denúncia sobram. Denúncias sociais, por exemplo. No entanto, os media - e principalmente a televisão - julgam que saber denunciar (ou seja, mostrar o que está mal) é fazerem reportagens sobre pessoas a sofrer, numa autêntica pornografia de sentimentos. Esquecem-se que saber denunciar é saber questionar. O problema é que o imediatismo exigido hoje ao jornalismo é um dos principais entraves à investigação. Por isso, o jornalismo de investigação - para mim uma das verdadeiras razões de ser jornalista - não tem espaço nos media portugueses. Dou um exemplo. Recentemente, as televisões (que estão cada vez mais iguais) mostraram reportagens sobre milhares de portugueses que fizerem férias nesta quadra pascal. Agências turísticas lucraram imenso. Uma televisão fez reportagem no Rio de Janeiro, onde mostrou os "tugas" todos regalados a apanharem banhos de Sol. Pergunto-me - isto é notícia? Não tem grande valor. É apenas um fait-divers. No entanto, podia-se pegar este tema por outro prisma: como é possível tanta gente fazer férias num país altamente em défice, com milhares de famílias endividadas (todas, segundo cálculos estatísticos)? Aí sim, o jornalismo questionaria o porquê das coisas. no entanto, seria necessária uma coisa - investigação. E essa não existe. Até a melhor escola de investigação jornalística do país está nas ruas da amargura - o Expresso, que no dia em que mudar de formato morrerá para sempre. Há pouco tempo, num congresso sobre jornalismo em Lisboa, debateu-se o problema da falta de investigação no jornalismo português. É um facto que a "velha guarda" de jornalistas se encontra preocupada. Também outra vez Clara Ferreira Alves manifestara a sua preocupação sobre isso. E sem a investigação as pessoas não questionam. Ficam presas a autênticas telenovelas em horário nobre, esquecendo-se do real. Porque o jornalismo agora tem um grande lado ficcional. E os jornalistas cada vez mais são animadores de espectáculos. Veja-se o recente funeral de uma personagem da telenovela Morangos com Açúcar. As pessoas não viram o enterro de Francisco Adam. Viram o enterro de uma personagem. Do Dino, a única pessoa que os (tele)espectadores conheciam. E a televisão que transmite a telenovela, fez disso um Acontecimento. E transformou os jornalistas em entretainers. E se esses jornalistas questionassem este trabalho à direcção? Teriam a porta da rua assegurada como saída. Aliás, num encontro de jornalismo há uns anos atrás, um jornalista foi atacado por colegas por estar a apresentar um reality show. Disseram-lhe coisas como "é uma vergonha para a profissão", entre outras. Esse apresentador/jornalista teve uma reacção totalmente inesperada. Levantou-se a chorar e berrou para os que o atacavam, dizendo que tinha mulher e filhos para cuidar. Não podia ficar no desemprego.
Afirmei, no começo do parágrafo anterior, que é "politicamente correcto" os jornais não tomarem partido político. Ou seja, não podem ter uma ideologia. Nada de mais errado e de condenatório para os media. O verdadeiro jornalismo é ideológico. Não quero dizer que se deva tomar um partido definido. Isso também é errado. Mas deve-se saber que posição toma politicamente, em termos ideológicos. O Público toma posição. É de esquerda. Basta ler o modo como trata certos temas. Como aborda certas pessoas. E os artigos de opinião de muitos dos seus colaboradores e mesmo editoriais (há excepção de muitos de José Manuel Fernandes). Mas isso não quer dizer que por o governo ser de esquerda, ele não mostre os seus podres se tiver que ser. Não é isso que está em causa. O que está em causa é uma ideia de liberdade. De saber que o acto de fazer jornalismo é um acto político. Assumir essa condição é um primeiro passo para se fazer bom jornalismo. Algo que cada vez mais escasseia no nosso país.

quinta-feira, abril 13, 2006

Crucificação

Para lembrar o sofrimento do ser humano mais perfeito que existiu - e por isso mais próximo de Deus - nesta Páscoa em que recordamos a sua crucificação, aqui deixo a imagem de um dos meus quadros preferidos de Dalí. Para mim uma das representações mais perfeitas de Cristo na Cruz.
Salvador Dalí - El Cristo de San Juan de la Cruz (1951)

O autor desta pintura era ateu confesso. Mas isso não interessa. A obra de arte em si e o espírito de tolerância ajudam a construir um sentimento universal em torno de certos valores. É uma das mais bonitas representações de Cristo a morrer. Baseado no quadro de São João da Cruz, a obra de Dalí divide-se em dois mundos. O terreno e o místico. Cristo, pregado à cruz, avança cabisbaixo e preso à cruz para o "reino dos céus". Mas esse reino está escurecido. Será irrepresentável... ou simplesmente não existe? Fica ao critério de cada um interpretar o quadro.
A todos uma Santa Páscoa!

PS - perdoem-me fazer recomendações. Pareço, talvez, estar a ser pretencioso. Mas se os blogs servem como espaço de partilha, recomendo a audição, nesta época de reflexão, das obras sacras de Johann Sebastian Bach. Principalmente as suas duas paixões, a de São Mateus e a de São João. Obras fundamentais na História da Música.

Grandeza de Oliveira (no sentido literal)

Um filme como Gone with the wind (1939) é considerado longo. São quase quatro horas de duração - 238 min. Muito tempo. Imaginemos, no entanto, que alguém se lembrava de conceber um filme de mais de cinco horas. Poucos realizadores terão concebido tal prodígio. Na América é mesmo impossível, vistas as restrições dos produtores, que querem sempre um filme viável para o circuito comercial. Por causa disso, quantos grandes filmes estão por ver completos, como é exemplo Once upon a time in America. Assim, um filme chegar a quase 300 minutos é tarefa impossível. Mesmo na Europa - onde existe uma maior liberdade de criação artística - a tarefa foi raramente pensada. Se 300 minutos é demais, que dizer de 400? Uma loucura... Ou não, se o realizador se chamar Manoel de Oliveira. Em 1985, o mestre do Cinema português apresentava em Veneza a sua obra Le soulier de satin. Um filme de 410 minutos. Ou seja, quase sete horas de cinema.
Em Portugal, essa obra jamais foi editada em VHS ou DVD, ou passou na televisão. Nem que fosse em episódios, o que seria natural, visto que ninguém conseguirá aguentar tanto tempo colado ao pequeno ecran. Felizmente, temos como vizinhos um povo que, apesar de ser em muitas coisas parecido connosco (para o pior, entenda-se), também se interessa por cinema, e por editar em DVD grandes obras-primas.
Conclusão. Le soulier de satin já está nas estantes. Só tenho que arranjar uma tarde ou noite inteira para ver um filme por que tanto ansiei . Muchas gracias nuestros hermanos!

terça-feira, abril 11, 2006

Adenda ao último post

O seu a seu dono. Esqueci-me ontem de escrever que a fotografia do Capitão Salgueiro Maia é de Alfredo Cunha. Várias vezes, pela altura do aniversário da Revolução, é publicada nos poucos jornais decentes que existem neste país (Público, DN, Expresso - e este último já foi melhor).
No entanto, a fotografia pode ser também encontrada num dos melhores livros sobre o 25 de Abril publicados. Trata-se de O dia 25 de Abril de 1974 - 76 fotografias e um retrato. A editora que o publicou já encerrou - a Contexto. Consegui-o já barato na Feira do Livro de 2002. Se ainda o encontrarem e tiverem algum dinheiro na carteira, não hesitem. É um precioso documento do dia da liberdade.
Para além disso, tem uma introdução muito interessante de Adelino Gomes, um dos repórteres desse "dia inicial inteiro e limpo" (Sophia). Carta a um estudante de jornalismo céptico quanto à genuinidade da alegria no 25 de Abril. Um documento que devia ser lido em cada curso de jornalismo. E uma ponte para que os alunos futuros repórteres reflectissem para pensar sobre a matéria-prima do jornalismo. O acontecimento. Mas infelizmente, os cursos de jornalismo hoje preferem que os alunos se tornem mestres em computadores, decorem textos e se calem perante as dúvidas. Assim vai o Portugal pós-Abril.

Abril dos cravos vermelhos

Há apenas trinta e dois anos, Portugal era um país sem liberdade. Por mais que estudemos este passado recente, mesmo para muitos como eu que contam só um dígito no número de anos entre a revolução e a data do nascimento, não sabemos como era viver sem liberdade. Como era ter medo de à rua sair e poder alguém denunciar-nos por a nossa opinião exprimir-mos. Tempos cavernosos que o país assolaram durante décadas. Penso muitas vezes no 25 de Abril. Na sua importância para mim e para a minha geração. Quase trinta e dois anos depois, porém, a memória esvanece-se. Os valores de Abril estão frágeis. A luta agora por saber conservar a liberdade está a empalidecer. Os cravos vermelhos murcham aos poucos.
Carlos Fabião, um dos militares que integraram a Junta de Salvação Nacional, morreu no início deste mês. Nenhum membro do actual governo foi, ou se fez representar, nas cerimónias fúnebres. Uma ditadura do esquecimento parece começar a ser imperadora neste Portugal filho de Abril. Outro caso é a construção, no edifício que era a sede da PIDE, de um condomínio de luxo. Em vez de se preservar uma memória de dezenas ou centenas ou milhares de torturados e mortos naquele lugar - que corajosamente lutaram por nós todos - prefere-se ganhar dinheiro fácil em Lisboa. O capital manda agora nas personalidades humanas.
Porém, não excluo que estes também são sinais de liberdade. Porque viver em democracia é também saber seguir um caminho em que não se pode olhar para trás. Feita a História, o que importa é o futuro. Esquecer os podres e as glórias e procurar um lugar ao sol neste cada vez mais frágil mundo. Mundo que se revela cada vez mais um lugar estranho, onde os corruptos num país chamado Itália estão prestes a vencer as eleições, ou onde o "bastião democrático" dos EUA têm um presidente que quer combater outro país com armas nucleares.

Lembro-me várias vezes da fotografia do capitão Salgueiro Maia, herói operacional do 25 de Abril, que em pleno Largo do Carmo, onde acabara de depor a ditadura, olha para a objectiva do fotógrafo com um dos olhares mais tristes que já vi retratados. As revoluções são como monstros que devoram os seus pais - diz-se. Talvez seja a legenda ideal para a fotografia do capitão Maia.

sexta-feira, abril 07, 2006

Frase para pensar, recebida num email

A única razão pela qual alguém te odiaria é porque ela quer ser exactamente igual a ti.


Não será verdade? Não será esta a fundamentação das invejas? Porque odiar é a outra face da mesma moeda em que também cabe amar. É a busca do que o outro tem que outro não pode ter.