quarta-feira, novembro 30, 2005

De como o silêncio é insuportável nos eternos momentos de solidão em que penso em ti – parte 2

Porque estamos assim? Tão longe um do outro. Somos diferentes, eu sei. Muito diferentes. Tu dizes o certo. Eu digo o errado. Mas o meu errado pode ser mais certo do que a verdade que julgas carregar no teu peito. Sim! Tu talvez nunca tenhas pensado. Mas o teu olhar comunica com algo. E esse algo comunica com outro algo. E vamos a seguir o fio à meada e acabamos por compreender que o ser humano não passa de comunicação. Mas ao mesmo tempo, não comunica. Porque não sabe dizer o mais íntimo. Porque não sabe partilhar os momentos de paz e de guerra que surgem nesse percurso bilateral que é a vida. Bilateral porque parte se deve ao que dela fazemos. E outra parte, sempre esse indesejado complemento, é aquilo que o destino e as vontades alheias fazem ao nosso futuro.

(Eu sei que tu julgas que eu sou diferente daquilo que eu sei que sou. Eu sei que não me tens em grande conta. Que julgas que a minha face expira preguiça. E talvez também melindre. Mas ao mesmo tempo não sabes, porque nunca te disse e porque nunca quiseste saber, que a minha vontade pode escalar montanhas. Quero procurar no longe a vitória inenarrável que me fará sentir o corpo tremer de alegria. Sei que me julgas em má conta. Mas não sabes que procuro sempre decifrar cada momento especial. E que quando melancólico pareço não é por ter esse sentimento. É por apreciar a beleza de um momento. É por ter reparado numa fotografia que queria ter tirado mas cuja oportunidade perdi. Sim! Estou farto de perder oportunidades…).

Sim! (Entramos agora numa fase explicativa… quem diria que eu, eu – repito - uma vez qualquer haveria de lançar este grito ao mundo. Eu que já fui acusado de egoísmo. De nada partilhar com os outro (mas se partilho não perco qualquer coisa?) haveria de lançar pensamentos em termos tão claros. Eu sei que falhei redondamente. Sei que errei naquilo que não devia ter disso. Errei na infância. Depois, no destino que escolhi. E errei em ter começado a olhar para ti de forma diferente. Agora tenho a consciência total deste facto único, e que talvez nem esta palavra na próxima frase consiga exprimir correctamente. Falhei. E este falhanço foi tão grande que até outras derrotas me souberam a vitória. “Falhei em tudo”, disse o poeta que mais amei ler. E no entanto, nunca dei a entender este falhanço. Os outros acreditaram em mim e eu desiludi-os. Olhei para eles quando eles me pediram para ajustar contas, sorri e não quis mais saber. Fugi para o refugio que na pedra imaginária onde comecei tinha esculpido e adormeci. Quando acordei, apercebi-me que estava fora de tempo. Que fora um erro. Cuspi para o ar. Olhei fixamente para o céu durante longo tempo. Sentei-me e olhei no vazio. Perguntei-me o que poderia fazer…)

continua

terça-feira, novembro 22, 2005

O Velasquez que deixei para trás

Diego Velasquez - retrato do Papa Inocêncio X

Estive, este Verão, muito próximo deste quadro famoso de Velasquez. Pintura que me fascina, pois consegue ser quase fotográfico. O olhar do papa retratado é um olhar de puro ódio. Algo qe duvido que uma fotografa podesse captar. Francis Bacon dizia, no século XX, que este era o maior quadro de todos os tempos. Vários estudos fez segundo este retrato. Mas nunca o quis ver ao vivo, por mais vezes que tivesse passado por Roma. Tinha medo de ficar tão fascinado com a grandeza da obra que, segundo confessou, receava perder o apetite de pintar.
Este verão estive em Roma e também não fui visitar este quadro. Não sei se por falta de vontade, se com medo de também me fascinar. Ou se, inconscientemente, procurasse uma justificação futura para revisitar a capital italiana.

segunda-feira, novembro 21, 2005

O céu sobre Berlin


Eu já vi o céu sobre Berlin. Numa tarde quente deste agosto, subi até ao Anjo da Vitória, e de lá, sob o céu azul, mirei toda a imensidão da capital alemã. Quando pequeno, fascinara-me o começo de um filme em que a câmara-olhar do espectador percorria os céus de Berlin, acabando o seu movimento a dar uma volta completa a esta estátua, onde para além do anjo se encontrava outro anjo, personagem principal o filme.
Este filme era já a segunda parte de outro, que também me fascinara, e se passava também em Berlin. O título desse filme é Der Himmel über Berlin, cuja tradução é o título deste post. Um filme sobre anjos e, mais do que isso, um cântico de amor, pela arte do cinema, a uma cidade dividida (o filme era de 1987).
A continuação deste filme - com o título de Faraway, So Close! - passa-se já numa Alemanha unida. O muro fora derrubado. Um povo inteiro, para mim admirável apesar da barbárie que trouxeram ao século XX, podia de novo viver na sua totalidade.
Só percebi, quando estive em Berlin, da metáfora do começo de Faraway, So Close!. Berlin é sobrevoada para mostrar a sua unidade. E a volta completa ao anjo, que depois se fixa no olhar do personagem principal (também ele um anjo mas não em estátua), é a metáfora da reunificação. Da vitória final de um povo que se vira privado, durante quarenta anos, de metade de si.
Muitas vezes, nestas tardes de outono em não há nuvens, penso no céu de Berlin. Julgo sentir de novo, por instantes, o tórrido calor da capital alemã deste agosto em que por ela passei. Nela senti a História de uma Europa que no pós-guerra se quis unir. E refazer a sua própria História. Espero, num destes verões futuros, voltar a Berlin, nome que me fascinou desde a infância. Cidade gigantesca, onde qualquer um se sente perdido na sua imensidão territorial, e também histórica. Mas onde o céu, por intermédio dos anjos, parece querer tocar o Homem e trazer-lhe uma nova esperança.

quinta-feira, novembro 17, 2005

De como o silêncio é insuportável nos eternos momentos de solidão em que penso em ti

Sim. Eu sei que o meu olhar é pouco expressivo. Que não parece brilhar nunca. Nem ter uma cor definida. É verdade. Percebi que nada mais represento para ti do que uma espécie de conhecido estrangeiro. Aqueles com quem só falamos de vez em quando, quando não há nada para dizer de momento, ou nos achamos aborrecidos. E que parecem tão perto mas ao mesmo tempo tão longe.

Percebi que para ti a minha voz é inexpressiva. E que as minhas palavras têm a secura do papel. Julgas que o que eu digo tem pouco significado. Que parece perder-se rapidamente no ar, sem nunca chegar a atingir o vento.

Mas o que não sabes, nem procuraste saber, é que, apesar de tudo o resto, que é mesmo apenas o resto – e a que dás importância –, atingi já o cume de montanhas. E que nos fins de tarde de primavera de e de outono fujo, tantas vezes, para contemplar o pôr-do-sol. E que meus olhos já ficaram marejados de lágrimas por causa de tantas injustiças contra as quais sou contra.

«Pensas demais», disseste. Não sei se em sonhos. Ou num destes dias em que o nosso diálogo não foi mais do que o tímido e, por isso, perturbado «olá». Mas o que não sabes, mas também não te quis dizer, é que já não consegui dormir por sentir demais. E que até por tua causa o coração já me foi consumido em mil fogos.

(Há um lugar poético, naquele jardim encantado, que muitas vezes o meu corpo chama. Junto ao relvado sempre verde – até no frio Inverno – e à pequena fonte. De costas para eles me encontro sempre que a esse sítio vou. Porque a vista do miradouro me fascina. O rio está logo em baixo. O mar já se vê. Um pouco ao longe e apertado, devido à língua de areia. Uma relação difícil têm, por isso, estes elementos aquáticos. Antes de se abraçarem e fundirem num só elemento, atravessam naturais dificuldades. A coroar toda esta visão está a ponte do grande arco. Parece o pórtico moderno de algum mistério secular agora desconhecido. Branca como a cal, ela é vice-rainha nesta paisagem na minha alma infinita. Como primeira majestade está o céu. O céu que nos protege, mas que num dia de chuva impetuosa marcou o meu nascimento. Sonho ser este rio que te procura. E espero pelo teu abraço. Imagino-me a correr em tua direcção. Mas de repente, quando parecia teu corpo estar já tão perto, surge o molhe. A dificuldade natural que nos afastou.

Olho para a paisagem. Toda ela me fascina, porque tanto se parece comigo. Sinto tanto e não sinto nada. Sento-me na relva húmida. A seguir deito-me de costas e contemplo o azul celeste nesta calma tarde. Sinto que algo divino me negou uma felicidade eterna. Penso no teu sorriso. Na tua boca. E no suave beijo que te poderia dar… Inferno. Quanto mais te quero esquecer mais me apareces fotograficamente na alma.)


continua

segunda-feira, novembro 14, 2005

As intermitências da morte



O último livro que comprei. O único autor que não folheio quando um seu romance sai. Saramago. Um mago das palavras. Perdoem-me se é fácil este trocadilho. Mas o sentimento é profundo. Não esquecerei as experiências sentidas na leitura de Memorial do Convento ou, principalmente, dessa obra fantástica que é esse evangelho da Humanidade: O evangelho segundo Jesus Cristo. Obra sobre a culpa, sobre o amor, sobre a necessidade de sacrifício. Uma visão particular de Deus e do poder. Um dos melhores livros do século passado.
Este que editado foi agora - que pelo tema fascinante me parece - ainda não teve a minha leitura. A ideia, no entanto, parece-me fascinante. Espero que ame a nova aventura que com gosto enfrentarei, a ler As Intermitências da morte do nosso Prémio Nobel.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Perdido na descoberta...

Foi preciso esperar uma noite de fim de verão para descobrir o inevitável. Para descobrir que as árvores não duram até à eternidade. E que as profundas raízes arrancadas podem ser pela força destruidora da tempestade. Foi preciso calcorrear milhas para perceber que a pátria que julgava incorrupta também pode cair. Porque do futuro nada podemos saber. E as revoltas podem acontecer depois de muita paciência. E nem aos santos lhes podemos pedir esperança no que não pode vir.
Foi preciso um regresso às origens para perceber que tinha estas perdidas para sempre. Um reencontro assustado com o que me rodeou desde o começo do mundo. Uma imagem afinal falsa do que julgava verdade.
Foi preciso descobrir que o que julgava que amava era apenas agressão e falsidade e nervos. Que por mais que buscasse a paz só acharia o inevitável fogo da guerra e do ódio.
Foi preciso adaptar-me para perceber que sou inadaptável. E que por mais que corra e corra e corra jamais acharei o que desejo ardentemente achar.
Foi preciso reparar duas vezes em ti para me aperceber que o olhar com que me miravas não era de paixão. Antes buscavas a ferida que habita na profundidade do meu ser, e que só inconscientemente sabes existir.
Foi preciso o meu tudo para saber que não houve nada. Sonhar com a conquista do mundo para acabar conquistado pela evidência: a descoberta de que me perdi algures, num país longínquo. E que, talvez, como Ulisses, possa sonhar um dia em regressar à ilha que afinal não existe.

terça-feira, novembro 08, 2005

Falta-me um sentido...

Não sei. Falta-me um sentido... O sentido que equilibraria a vida. O sentido que me faria lançar para o resto do dia um sorriso sincero, nas chuvosas manhãs de janeiro. Faz-me tanta falta esse sentido. Essa companhia tão útil. Os outros sentidos seriam como um prato de uma balança. E nessa balança finalmente haveria equilíbrio. Esse sentido, que eu quero, depende de mim e de factores que em são exteriores. Por vezes esqueço-me de os buscar. Julgando que tudo na vida é como as folhas de Outono. Mas outras vezes percebo, e tarde, que tenho que trepar uma longa árvore para alcançar o apetecido fruto.
Busquei o sentido longe. Procurei-o também no mais próximo de mim. Não o achei ainda. Outros esperaram também que eu o conquistasse. Por vezes tenho dúvidas se ele não me terá sido - em certos momentos que não compreendi - oferecido. Haverá esperança?

segunda-feira, novembro 07, 2005

As lutas não acabam

Há sempre algo por que lutar. Novos mundos a criar. Sempre uma esperança no mais íntimo do ser humano. A esperança do melhor.
Existem, para além de nós, novas vontades a quererem gritar. Novos acontecimentos que necessitam de atenção. Existe sempre um amanhã. Uma rotação infinita sobre si mesmo do planetaTerra. Existe sempre algo a anunciar. Uma antemanhã clara. Uma aurora divina.
Apesar de tantas fatilidades, de tantos medos, de tanto esquecimento, é imperativo saber não renunciar.

domingo, novembro 06, 2005

Saudades epistolares

Saudades tenho dos tempos em que se escreviam cartas. É um hábito perdido. Terrivelmente perdido. O contacto directo com a caneta em face ao papel. Esse momento físico, em que contavamos ao correpondente algo. O pensar na outra pessoa - que talvez com saudades - esperava a nossa carta pelas manhãs abafadas de Verão. A notícia sobre uma vida.
Infelizmente o mundo mudou. E hoje já não se recebe correspondência. Existem e-mails. Formas de comunicação instantânea como o messenger. E, está claro, os telefones e telemóveis. Grandes progressos feitos na comunicação. Mas apenas técnicos. Porque se há algo que se está a perder é a arte de escrever uma carta. É o momento único em que pomos na fé da caneta e do papel todo um modo de pensar e sentir. Já não sobrarão para a posteridade as cartas de amor dos poetas e escritores do amanhã desta noite. Já não poderemos achá-las "ridículas", como o afirmou Álvaro de Campos. Mas ridículo, agora, é talvez já não haverem cartas. Não aquelas, como já devem ter compreendido, de contas, bancos ou a mera publicidade. Essas são apenas folhas descoloridas e oportunistas. Refiro-me, até agora, à correspondência mantida com os amigos. Ao querer saber como eles estão. Por vezes uma frase de uma carta valia - e vale - mais e mais do que o e-mail de maior tamanho. O contentarmo-nos com a caligrafia da outra pessoa. O guardar as cartas numa velha caixa de sapatos. Entre os dedos as repassar, numa suave carícia ao velho papel que de alguém partiu e uma viagem fez por sítios desconhecidos. E por vezes relê-las mais tarde. E nelas descobrir de novo segredos. O ler pela primeira vez as entrelinhas.
Que saudades daquelas manhãs em que esperava na fresca soleira da porta pela carta. Elas para mim eram como a anunciação de um mundo. Eram as notícias esperadas. O ver a tua caligrafia e erros de escrita que me deliciavam. Que saudades dos tempos em que eu me sentava à mesa de amadeira da sala de jantar, e com a minha caligrafia insegura me anuciava a ti. O pensar as palavras que mais te iriam agradar. Que tivessem o efeito da chuva com as flores: dar vida ao teu sorriso. Hoje o que nos sobra? Os sms e a internet. Apenas avanços técnicos. Que a alma fazem preguiçosa ficar.

Por vezes apetece-me ir embora para longe. Voltar a mergulhar em novas terras e povos. E aí não procuraria computadores nem telefones. Mas levaria na carteira, bem junto ao peito, os endereços postais das pessoas com quem, nas longas noites de insónia que tenho, me apeteceria conversar. E aí, ao contactar com a reluzente folha de papel branco com o candeeiro reflectido, para além de pensar no correspondente, poderia descobrir o meu eu profundo.