sábado, setembro 27, 2003

Weblogs para nada - análise a uma realidade cibernética

O weblogismo (ou webloguismo) é um sinal dos tempos que correm. Milhares de pessoas com ou sem Internet em casa correm para computadores para escreverem textos. Todos dão opinião. Todos pretendem comunicar. Julga-se que os weblogs são um sinal de democracia. De igualdade entre as pessoas. Qualquer pessoa pode ter um. De borla. Porém... quem os lê?

Portugal tem, neste momento, há volta de 2000 blogs. O Ptbloggers aponta 1400. Muitos deles não estão, porém, «catalogados». Ou seja, o número que apresentamos pode ser ainda superior. Mas para que servem tantos blogs? São para serem lidos, claro. Mas serão na realidade, já nem dizemos lidos, mas espreitados? Sejamos sinceros: os weblogs servem para um entretenimento pessoal. O(s) administrador(es) de um weblog sentem prazer em ter uma «página» fácil de fazer na net. Sentem que assim podem dar as suas opiniões ao mundo. Ora, a maioria das opiniões são decalcamentos do que se vê na televisão ou do que se ouve na rádio. Além disso, procurar blogs interessantes é perda de tempo. Se existem (e contra o nosso Ideias e Pensamento falamos) estão escondidos no meio de muito desinteresse. Aliás, a sobrevivência de alguns weblogs deve-se ao facto de terem um pequeno público fiel: amigos do administrador geralmente. No dia seguinte trocam-se opiniões. Ou então os blogs escondem, por vezes, cobardes que não conseguem dizer o que querem na cara das pessoas - neste caso referimo-nos a blogs pessoais - e por isso escrevem resguardados por um computador e programa informático.
Outro problema dos weblogs é não serem «seleccionados naturamente». Existem bastantes blogs que - quem sabe - poderiam ser muito interessantes, mas onde foram colocados dois ou três posts e desapareceram de circulação. É que por vezes há um entusiasmo inicial que não corresponde, muito rapidamente, às expectativas. Dou um exemplo: um blog sobre Nietzsche. Dois textos, o último de Julho. Vimo-lo ontem. hoje não o conseguimos encontrar... O que devia haver na blogosfera era uma selecção natural de blogs. Quem, por exemplo, nada publicasse durante três meses deveria ficar sem blog. Não deviam ficar esses blogs - que já são tantos - no meio de tantos outros que continuam a sua actividade. Aliás, o número de blogs tem vindo a aumentar. Mas eles são como tudo na vida. São uma moda. Daqui a cinco anos a esmagadora maioria de blogs estará parada.
Daqui a cinco anos, no entanto, haverão alguns blogs - importantes - a funcionar. Serão, sem dúvida, blogs jornalísticos. Os weblogs podem ser um auxiliar precioso ao webjornalismo. Ao futuro da comunicação. Tem razão Fernando Zamith quando afirma: «O blog reúne as condições mais do que mínimas para se criar um jornal online [...]: tem campos distintos para título, lead/entrada e corpo da notícia; permite hipertexto e hipermedia; ordena/destaca as notícias pelo critério mais adequado ao meio – a actualidade; cria automaticamente arquivos e categorias (por datas e temas); a publicação é imediata.» Eis a ideia que fará os blogs no futuro terem uma importância capital no mundo maravilhoso da comunicação social. Eles são um instrumento - já presente - no on-line. Cada vez mais pessoas têm Internet. A informação é cada vez mais necessária. Os weblogs poderão ajudar a criar esse jornalismo não-já-muito-futuro.
De resto, quem lerá este texto? Um pequeno círculo dos nossos conhecimentos. Pusemos um e-mail para receber opiniões e colaboração e ao fim de quatro meses... nada. Absolutamente nada. Só hoje um aviso sobre se este blog conhecia outro. Sinal de que precisa de leitores. É este o futuro da blogosfera não-jornalística. Todos lêem o que escrevem. Quase ninguém lê o que os outros escrevem.
Concluindo: a maior parte dos weblogs servem... para nada.

Para ler a excelente comunicação de Fernando Zamith cliquem aqui. Se, por sorte (ou azar) passarem por estas Ideias e Pensamentos solitários no mundo do webloguismo.

Duarte Sousadias

sexta-feira, setembro 26, 2003

Uma palhaçada que custa a acreditar

O Público tem um novo suplemento. Se alguém ouvisse isto sem conhecer o teor do novel suplemento julgaria, devido ao hábito que o diário nos criou, que se tratava de algo com uma qualidade par a suplementos como o Mil Folhas, o Y, etc.

Desenganem-se. O Público edita agora às sextas-feiras um suplemento dito satírico. Pretende ser um Inimigo Público. Pode-o ser. Mas da estupidez é irmão. Em colaboração com a Mandala, produtora que passa na televisão Pública um vergonhoso programa que insulta (sim, insulta, é mesmo este o termo) as figuras públicas do país, o novo suplemento é uma vergonha para um jornal como o Público. Este diário habituou-nos a um jornalismo sério. Rigoroso. Com colaboradores inteligentes e com ideias. Mas agora, à sexta-feira, vamos ter que pagar um €uro para ler um ridículo suplemento de um dos melhores jornais da Europa. Para ler aquele suplemento não devíamos pagar. Deviam pagar-nos. Que sorte ter agora net… Afinal sempre se poupa em ler o publico.pt.

Duarte Sousadias

segunda-feira, setembro 22, 2003

Os livros traídos

Em Portugal, o mercado editorial livreiro entretem-se a publicar ninharias. Porém, grandes clássicos da literatura e livros que mudaram o mundo não se encontram à venda Por quê?

Oliveira Salazar - Discursos-6 volumes
Karl Marx O capital-9 volumes (apenas três publicados pelas Edições Avante)
Padre António Vieira - Obra completa
Sigmund Freud - A interpretação dos sonhos

Estes são apenas alguns exemplos de obras que mudaram, por vezes, o curso da História mas que não se encontram em Portugal. Não é pela sua ideologia nem pelo desinteresse dos leitores que não existem. São por laxismo e incúria dos editores. Repare-se no seguinte exemplo: o Partido Comunista Português (PCP) pretende, concerteza, como partido com forte cariz ideológico dar o maior número de informações a possíveis militantes. Ora, a sua editora associada, a AVANTE, é uma editora sem rei nem roque. Telefona-se para o seu armazém a pedir livros e não sabem o que têm. Pedem-se informações sobre novas publicações e também não sabem. Pergunta-mo-nos: que raio de partido é este? Tem dinheiro só para organizar festas? Não tem dinheiro para pagar a tradutores especializados a continuação da publicação d' O Capital? Ainda a opus magnum da economia. Um livro que ainda tem uma força assustadora? Afinal, Marx está vivo ou é o próprio PCP que o quer matar? Até os americanos, imperialistas e ainda anti-socialistas têm O Capital publicado. Em edições... populares.
Ora, Portugal nunca esteve debaixo do jugo de uma ditadura comunista. Esteve-o, porém, debaixo de uma bem pior durante quarenta e oito anos. Uma ditadura fascista «comandada» por Salazar, uma personagem sinistra e sempre discutível. O ditador português publicou, em vida, seis volumes de Discursos . Como tivemos a sorte de ainda arranjar três volumes (primeiras edições em bom estado: que milagre) temos uma ideia do que o tirano escrevia. E que surpresa. São bem escritos e, embora não concordemos ideologicamente, concordamos que as ideias neles contidas fizeram grande parte da História portuguesa do séc. XX. Eles são história. E porque é que não estão publicados? Medo que a ideologia que nos sofucou no século passado ressurja neste com novo fulgor? Não há explicação.
Em todos as listagens dos grandes livros do séc. XX está lá. Marcou a pintura surrealista. Abriu caminho para uma ciência considerada hoje imprescindível: a psicanálise. Existe em Espanha, França (nossos vizinhos) e em tantos outros países publicados (no Brasil até fizeram edições especiais no centenário de Freud). Só não existe em Portugal. Referimo-nos, como já devem ter calculado, a A interpretação dos sonhos de Freud. É criminoso nenhuma editora ter esta obra publicada no nosso país. Nem a Imprensa Nacional, que devia dar o exemplo (embora o nunca dê). Como é que os estudantes de psicologia estudam algumas noções básicas de Freud, hoje tão importantes nestes cursos? Por sebentas? Edições estrangeiras? Nem queremos imaginar.
Imperador da língua portuguesa. Assim António Vieira foi nomeado pelo maior escritor português do século XX. Seus escritos - sermões e cartas - estão publicados. Porém, estão editados numa das mais caras editoras nacionais - a Lello - em volumes que custam à volta de 60 Euros. Onde temos dinheiro para compar a obra deste fabuloso escritor? Se ficamos deliciados no secundário com o Sermão de Sto. António aos peixes porque não nos querem deixar ler mais coisas deste autor? E, já agora, de Camilo Castelo Branco? onde estão as grandes obras que identificam um país perante o mundo? Onde está a grande literatura no nosso país? Só nos deixamos levar por escritores estrangeiros que nada dizem, tais como Paulo Coelho, Isabel Allende, Laura Esquivel, etc. É que as grandes editoras não são boas. E as boas (a Parceria, a Caixotim, a Fenda, etc.) não são - infelizmente - grandes.

Duarte Sousadias

À luz das estrelas

Algo há que o espírito me confunde
Quando para as estrelas olho.
Como pirilampos cintilam
E belas são para o comum dos mortais.

Porém,
O meu olhar nelas pensa
Como algo que faz parte da Terra
Sem o fazer.

A milhões de anos-luz estão
Muitos delas já nem existem.
E nestes pensamentos astronómicos
Me encolho na imensa pequenez de mim.

Que haverá para além das estrelas?
Vida noutras Terras?
Ou estarão elas
Feitas para a nossa solidão?

Os olhos fecho.
Em mim sobe
Uma imensa angústia.
A melancolia invade o raciocínio.

Morrerei sem saber o porquê de haver estrelas.
Elas têm também em si o sentido da vida.
E este é a mais importante busca
Que alguém pode fazer.

Mas eu nada busco.
Não quero filosofias,
Que a mim se colam como vermes
Famintos de sangue inocente.

Eu apenas queria
Viver sem preocupações.
Correr pelas estradas rurais como a criança
Que nunca fui mas me persegue.

Queria sorrir quando as estrelas surgissem
Deixar-me fascinar por elas sem saber por que ali estão…

Mas afinal
O que são as estrelas?



João Firmino Alves2003

sexta-feira, setembro 19, 2003

Renascimento

As férias acabaram. Agora que as aulas se aproximam e o Verão termina, o Ideias e Pensamento renasce. A ajudar a este renascimento está presente o facto de o seu administrador ter regressado de férias e ter encontrado o seu PC ligado ao maravilhoso novo mundo da Internet.
O Ideias e Pensamento será, a partir de agora, um blog dedicado exclusivamente a temas culturais e de quotidiano. O resto fica... para outro blog. Este será dedicado ao desporto e será publicado oportunamente, com aviso no Ideias e Pensamento.
Forte abraço aos nossos leitores

Ass: DSD

O livro da minha vida

Livros há que se parecem com belas melodias que ouvimos na infância. E, desses primeiros contactos com essas músicas, elas passam a acompanhar-nos pela vida fora. Às vezes, por acaso surgem em inesperados momentos. E ouvimos sonoridades que amamos dentro do nosso ser. O mesmo se passa com alguns livros. Se são lidos e, durante a primeira leitura, os começamos a amar, eles passam a fazer parte de nós. De-pois, a qualquer momento, uma frase ou expressão deles nos surgem a qualquer instan-te, nos acontecem.
É o que se passa com um livro muito especial que li na jovem adolescência e que até agora me acompanhou. O autor é Bernardo Soares, semi-heterónimo de Fernando Pessoa. A obra é O livro do desassossego, título extremamente poético para reflexões inquietantes do quotidiano. Este livro reúne um conjunto fragmentado de pensamentos de um anónimo guarda-livros de Lisboa. Porém, no seu conjunto o livro forma um todo. Uma espécie de diário – quase um romance – de um solitário que, para ao tédio escapar, busca-se e procura outra vida nele por viver: o mundo dos sonhos. É esse, em O livro do desassossego, o reino de Bernardo Soares/Fernando Pessoa.
Os escritos para este livro tiveram dois momentos distintos. A primeira, na ju-ventude de Pessoa, quando era influenciado pelo simbolismo, pelo paulismo e outras correntes literárias em voga na altura da implantação da República. É desta fase o bri-lhante texto Na floresta do alheamento, onde está já germinada a heteronímia. Nele os dois são um. E o um é múltiplo e fragmentado, sentindo sensações várias. A segunda fase, já tardia, é onde surge Bernardo Soares. Apenas alguém que vive numa rua da bai-xa pombalina, e que no tédio de tudo procura um sentido para a sua existência. Desta fase há trechos do livro que, sendo de reflexão pessoal, rapidamente se repercutam para nós leitores. Sentimos como Soares/Pessoa. Passamos a ser, também, anónimos empre-gados de escritório, numa cidade que pode ser qualquer lugar do planeta. A «Lisboa meu lar» pode ser qualquer local que amemos. E, como portugueses, descobrimos que este livro é, também, sobre nós, sobre a nossa língua: «minha pátria é a língua portugue-sa». Eis uma das grandes mensagens do livro. Amar algo espiritual é amarmo-nos, é conseguirmos cumprir uma vida tal como o faz Soares ao escrever. Escrever, para ele, é viver. É separar-se do mundo real para o mundo dos sonhos, para o mundo do futuro.
Assim, Soares/Pessoa escreve para um futuro que será o seu presente. É aí que está a sua família. È aí-agora que eu, leitor deste livro, me situo como familiar de Soa-res/Pessoa. «Penso às vezes, com um deleite triste, que se um dia, num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com louvor, eu terei enfim gente que me «compreenda», os meus, a família verdadeira para nela nascer e ser amado». Cada vez que me ocorrem na memória estas frases, sinto que a minha missão de leitor está cumprida. Pessoa (re)nasceu em mim, e nos outros que o lêem, para ser amado e para ser um «intérprete do século XX», tal como era seu desejo.
Por estas razões, e por tantas outras que não cabem numa só página, O livro do desassossego encontra-se sempre na minha mesa-de-cabeceira. Muitas vezes, antes de adormecer, releio à sorte um trecho do livro. E com um pouco de leitura, sinto-me a en-trar noutra dimensão: a dos sonhos, onde a sensação pura e a descoberta são o principal. É uma obra que não me canso de ler, pois nela descobrem-se sempre coisas novas. Idei-as e impressões que nos fazem pensar e conhecermo-nos melhor.



Duarte Sousa Dias