segunda-feira, abril 30, 2007

Maio

Maio chega com abril a despedir-se nas suas águas mil. As maias já florescem nas portas das casas antigas da baixa. Nos seus típicos batentes de ferro. Nas suas caixas de correio enferrujadas, onde já mal se lê a palavra cartas esgotada pela memória dos tempos.

Último dia de abril. Com chuva. Passeio-me de manhã pelo meio das árvores de um parque na fronteira da minha cidade. Da terra molhada sentimos o cheiro da natureza lavada. Há mudança no ar. O azul lentamente invade o cinzento do céu. Maio dá sinais da sua chegada.

A tarde chega com o sol a despontar. A primeira luminosidade de maio aproxima-se. A calma invade-me. O mês que tanto amo e que me avilta a memória chega. Vem por esta tarde última do mês de abril e apresenta-se no florir dos sorrisos. Nos olhares discretos dos rostos enigmáticos das pessoas com que me cruzo nas ruas. Sinto-me calmo. Sinto-me feliz. Como se a roda condenatória do tempo tivesse dado tréguas e se para sempre eternizasse este momento de passagem de um mês para outro.

Em Maio chega a luz pura das manhãs azuis. Teu sorriso perdido na melancolia dos olhares. Maio é aquele mês onde os cânticos do corpo se voltam a ouvir. E com ele a triste alegria das sensações descobertas.

sábado, abril 21, 2007

Portugal - um retrato social, um retrato de nós

Nós.
É sobre nós, e a nossa evolução nos últimos quarenta anos, a brilhante série da autoria António Barreto que, todas as terças-feiras, em horário nobre, passa na RTP1. Portugal, um retrato social é um acontecimento televisivo que se debruça sobre nós todos, sobre a vida dos portugueses em comunidade. É história e memória que se analisa. E, tudo junto, é uma profunda reflexão sobre o que somos e de onde vimos. Como mudamos e como evoluímos.
Necessária e oportuna esta reflexão. Nunca como agora Portugal se precisou de pensar. Encontramo-nos numa encruzilhada social e de mentalidades. Precisamos de avançar politica e socialmente, para que a nossa evolução tenha bases seguras. E para criar essas bases é necessário o conhecimento da história recente, de modo a que a memória de outros tempos não seja perdida, e para que "atrocidades" como concursos televisivos em que Salazar ganha democraticamente sejam evitáveis.
Satisfaz-me ver sinais de que Portugal se começa a pensar. No campo da filosofia, por exemplo, José Gil avançou em 2004 com a sua marcante reflexão sobre o Portugal de hoje e os seus medos de existir.
É, agora, o comovente retrato social de Portugal que António Barreto nos apresenta na RTP (que finalmente dá um exemplo de serviço público). Para além do texto e da voz do autor, a séria é realizada por Joana Pontes, cineasta de mérito reconhecido, e a música é de Rodrigo Leão. Música ao mesmo com um toque trágico mas cheio de força.
Uma série que devia ser obrigatória nas escolas. E que espero que seja editada o mais brevemente possível em DVD.

Página oficial, onde podem ser vistos os episódios completos.

quarta-feira, abril 18, 2007

Notas breves

1 - Todos os dias a "novela" continua. Novas revelações surgem em catadupa sobre o caso U. Independente, onde o nome de José Sócrates está envolvido. Reparemos uma coisa - não se está a questionar a sua competência, a sua política de governo do País. Questiona-se, e ataca-se, o seu perfil académico. O modo como obteve a Licenciatura.
Impressiona-me bastante que a comunicação social portuguesa se preocupe tanto com um facto da vida pessoal do PM. E, pior do que isso, preocupa-me que ela não esteja, de todo, a investigar o caso. Vai buscar a sua inspiração a blogs. Já nem o Público, último oásis de jornalismo decente em Portugal, escapa a isso. Aliás, para minha tristeza, julgo que o "meu" Público, com a última reformulação gráfica e redactorial, está pior do que nunca. Infelizmente, um destes dias sou obrigado a assinar o El País para não me esquecer que ainda existe bom jornalismo noutros lados...

2 - O acaso de reentrar num sítio onde não ía há tantos anos. Aconteceu-me hoje. Ao regressar a caminho de casa de um evento numa Junta de Freguesia, passei à porta da escola onde fiz o ensino básico. Movido pela curiosidade, e talvez um pouco por um sentimento de regresso à infância perdida, entrei. Tudo parece na mesma. Mas mais pequeno. A perspectiva que eu tinha da escola, construída em pavilhões e por isso cheia de espaços, mudou. Tudo parecia mais pequeno.
Mas nada mudou afinal. Eu é que estou mudado. E a memória também tantas recordações varreu. Lembrei-me do nome de uma professora minha, que nao tenho vergonha de dizer que me marcou muito. Perguntei por ela na portaria, mas disseram-me que já não estava. Tentei lembrar-me de nomes de outros professores. Já não conseguia. "Talvez por causa do cansaço do final do dia", tentei desculpar a minha memória. Mas a verdade é que não é essa a explicação correcta. A verdadeira razão é a do crescimento, e com o passar dos anos o termos mais memórias que se acumulam. Talvez o nome dos outros professores permaneçam na minha mente. Mas onde, já não sabe ela. É normal e aceito tal facto...

3 - Polónia e Ucrânia. Daqui a cinco anos estes dois ex-países do Bloco de Leste realizarão o segundo mais importante evento futebolístico a nível mundial - o Euro 2012. Merecem-no! Pelo esforço em crescerem economicamente. Pelo passado de sofrimento e pelo modo digno como abriram as suas fronteiras após a saída de debaixo da "pata" totalitarista da Rússia. E pela simpatia destes dois povos.
Dos dois países só a Polónia conheço. E cada vez que nela penso, só me apetece regressar. Talvez em 2012 esteja sentado num estádio de Varsóvia ou Cracóvia a apreciar a festa do futebol, e a congratular-me por dois países corajosos se afirmarem no âmbito europeu e mundial.

terça-feira, abril 03, 2007

A violência da poesia

Quem me dera ai quem me dera de novo mergulhar na doce ilusão de ti. Procurar o teu olhar secreto nas ternas madrugadas que despontavam na esperança de um novo dia.

Transportavas a violência da poesia no teu coração nos teus gestos na tua boca. Acordavas em cada manhã ferida de morte depois de um sono em que os anjos haviam habitado os teus segredos mais íntimos.
Teu assustado olhar estava mergulhado numa doce raiva eternizada a cada momento a cada instante. Agias como se carregasses um sexto sentido desesperado na busca espiral do afecto que tanto querias mas de que tanto medo tinhas.
Caminhavas seguindo as trevas da mentira que odiavas de morte. Perdias-te na contradição das palavras não ditas desesperando por da boca não conseguires expulsar as palavras que querias dizer. Falavas apenas pela lei do silêncio.

Teu corpo solar estava mergulhado pelo aroma ocre da contradição da beleza que era falsidade. Da falsidade que era beleza.

Aparecias quando estavas longe. Longe estavas quando aparecias. Cumprias a promessa de surpreenderes. Falhavas cumprir tudo o que prometeras.

Fantasma real que afinal sempre foras quando parecias real. Disseste adeus como dizias até breve fazendo esse até breve eternizar-se para sempre.

A primavera irrompe nos tristes céus de março. Eu que te julgara primavera em pleno inverno. Eras apenas ilusão feroz cheia de poesia em grito de negação com o que te rodeava… Adeus… Diluí-te fantasmagórica no teu inverno…